quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A mais pura casta


Agora que me apetece comer uvas brancas, só as pretas me dizem como saborear o mais puro néctar da vinha, aquele mosto quente a escorrer-me pela face, a amaciar-me os lábios ressequidos. Agora que me lembro dos bagos dourados - puras pepitas d'ouro a cair nas minhas mãos, só as pedras do rio me dizem como deslizar na corrente e ir rio abaixo em busca dos raios solares - desígnios matinais que se afundaram durante a noite e deixaram as águas paradas, os lameiros escorregadios e os montes desvairados. Essa centelha de vida pelos matagais enfermos, essa tormenta escondida que o vento traz quando do alto se ouve o canto das águias a esvoaçar nos penedos. Ergo-me de frente para a serra e ela diz-me ao que vim, e de que maneira vou quando o sol se esconder e a vinha se render finalmente nos meus braços.

Labuta diária que se estende na força de quem tem a terra e a merece, acontecendo ao nascer do sol. Esse será sempre o tema resguardado nos olhares de que tem um espaço e o cuida como quem sabe que há lugares ao sol e na noite se inibem quando reconhecidos por um além que não sabe onde fica o aquém - lugar devoto dos acontecimentos que marcam todos os rostos, todos os braços e todos os corpos admoestados por uma simples brisa que passa enquanto o sopro vai no encalço de mais uma colheita que em Setembro é adorno, a mais pura casta.


(Poderia ter tirado boas fotos, não fosse o meu próprio esforço físico que me deixou um pouco vazia de olhares, a não ser o que o meu próprio olhar reteve que ficou cá)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Em Agosto secam os montes e em Setembro, as fontes"


Este é mais um ano que avisto ao longe os diversos montes sobrepostos, enquanto os meus olhos procuram novas cores na estrada. Há dias com um sol tão forte que me parece soltarem-se raios solares de dentro do alcatrão. As cores são agora mais desbotadas do que da última vez que aqui estive. Era Primavera e os montes um povoado de jardins raros com cheiros inebriantes. Vou olhando as paredes graníticas rasgadas pelas máquinas quando da construção da estrada que vai dar ao Porto e olho a placa que anuncia o fim do Concelho de Castro Daire e início do Concelho de Cinfães. Mas é aqui neste ponto alto da Serra, um ponto de passagem e também um ponto de paragem, para que meus olhos alcancem os diversos tons mesclados, tal a distância que eles albergam neste ermo distante das margens do rio. Por lá vêem-se os mais diversos tons de verde. Desde a folhagem dos amieiros, às eras que abraçam as pontes, até aos tons verde claro e verde escuro das águas á sua passagem pelas diversas rochas, pelo chão de areia ou chão de terra coberta de musgo.

Enquanto visualizo estas imagens do rio Paiva, que são um contraste interessante mesmo ali em baixo nas encostas da serra, os meus olhos procuram as fontes que em Abril ainda jorravam pelas pedras de granito. Contudo em Agosto, só restam os vestígios do que as águas deixaram à sua passagem. “Tudo mudou de cor”, digo eu, enquanto a minha mãe esboça uma frase que eu nunca tinha ouvido: “Em Agosto secam os montes , e em Setembro as fontes”.

De facto não se vê um pingo de água que tenha ficado esquecido nestas paragens. A paisagem para além de agreste, com as suas rochas esculpidas pelo tempo, onde eu sempre visualizo alguma figura humana ou animal, por vezes parece um sol ardente por tudo o que é canto e recanto. É ainda Agosto e ao que parece, as fontes secaram. Não é por acaso que passo mais um ano na minha aldeia que se situa nas encostas desta serra e venho com uma sensação de vazio, não de água que ainda por lá escorre alguma, mas da forma como a recebem, quando dela precisam para regar as terras. Esquecem-se os valores adquiridos, tais como a religião, a amizade, a solidariedade, a os laços de família em prol de um rego de água para defender o que é seu.

Costuma-se dizer “o seu a seu dono”, mas aqui nestas terras isoladas do resto do mundo, a água é um bem precioso, como preciosos são todos os bens que dão voz à voz da terra e à sabedoria popular. Tudo se move em prol de um rego de água e a noite é um céu onde as estrelas se avistam e se vigiam para a viragem das águas. Esta foi uma noite, em que fiquei também eu, a ver quando a estrela se ia por para lá do monte. Seria esse o momento em que meus pais teriam que virar uma água e juntá-la durante a noite numa das poças que existem no cimo da aldeia para o efeito. São cada vez um número mais reduzido as pessoas que vivem nesta aldeia, mas mesmo assim, não se conseguiu ainda uma forma de entendimento, para se saber ao certo a quem pertencem as poças e a quem pertence virar a água ao por da estrela. Desta água a minha mãe ainda sabe, pois lhe foi legado este saber pela minha avó, e à minha avó pela minha bisavó. Dou comigo a pensar se eu voltasse a esta terra, como sobreviveria, pois se nada sei de águas da levada, talhadoiros, regos, poças e boeiros de poças. Não será o momento de todos se sentarem à mesma mesa e colocarem as cartas na mesa, digo, arranjarem forma de entendimento de uma forma saudável, já que são tão poucos e todos uma família? Daqui a poucos dias vou embora, mas com a mesma tristeza de sempre, que é sentir que este espaço ocupado por poucos, dá azo a tantas euforias do momento, mas que trazem com elas tudo o que faz do ser humano um ser tão minúsculo do Universo, mas com imensas capacidades de alcançar o outro lado do mundo e dizer: EU SOU.

Rio Paiva na sua passagem por Pinhero

Esta parte do rio é uma entre muitas as que se conhecem, (o Rio Paiva na sua passagem por Pinheiro) que fazem as delícias dos que aqui vivem e ainda mais, dos que aqui viveram e vêm tal como eu para passar férias.


Pinheiro, uma freguesia que alberga um grupo significativo e aldeias, tem muito do que se orgulhar, quer pela igreja ostentando os seus altares de talha dourada, quer pelo rio que passa mesmo ali a seus pés, de uma forma lenta e tranquila no verão e de uma forma brusca e rápida no Inverno, pelas fortes correntes que constituem várias passagens de pura espuma tão branca que faz pasmo a quem passa na estrada.


Desta vez vim por aqui ver como se comporta então esta parte do rio e observei as pessoas que nadavam enquanto eu tentava decifrar algo sobre esta ponte de pedra, que dá passagem ao outro lado da serra de Reriz.