quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Quem é Aurora Simões de Matos (Apresentação em Lisboa do livro "A Sobrevivente")


Aurora Duarte Simões de Matos nasceu no concelho de Castro Daire, numa bonita aldeia espraiada entre fartos milheirais e pinheiros bravios, numa das faldas do Montemuro. Ali, onde o rio se chama MÉDIO PAIVA, pois que a meio do seu percurso, entre a SERRA DA NAVE e a ILHA DOS AMORES, onde se junta ao misterioso Douro. 

Rio Paiva que Aurora trata no feminino, como se de ribeira se tratasse, como se de amiga lhe saboreasse a intimidade.

Sim, chamam a Aurora "CANTORA DA BEIRA-PAIVA".... " POETISA DA PAIVA"...." ROSA DO MONTEMU
RO"... carinhosos mimos que ela aceita, nomes  em que se revê, na missão que assumiu de cantar a sua terra e a sua gente.

Na nossa região, todos a conhecem, se não em pessoa... certamente de nome. É que, através de uma escrita escorreita e límpida, ela a todos chega, a todos compreende, faz parte da vida de cada um, pois que de cada um parece saber a história. Saber a história de cada um, contá-la ao mundo... a quem a quiser ouvir, melhor dizendo, a quem a quiser ler e entender. 

E assim, poema a poema, crónica a crónica, conto a conto, livro a livro, Aurora vai conquistando adeptos, admiradores, leitores fieis em todos os continentes. Por isso, cada seu livro publicado, rapidamente esgota edições, merece a atenção da imprensa, enche de orgulho tanto as gentes simples e laboriosas de uma ruralidade agreste, como as vozes mais intelectuais e cultas da beira-Paiva e Montemuro, a vasta região que visceralmente a apaixona.

Aurora Simões de Matos escreve e publica desde menina-criança, pela mão de alguns dos seus professores. Desde jovem adulta até ao momento actual, foi colaboradora de cerca de duas dezenas de publicações regionais da imprensa escrita. O que lhe granjeou um vasto número de leitores fidelizados, como já referi,  onde naturalmente se contam muitos apoiantes das comunidades portuguesas no estrangeiro.

Escreveu seis livros a título individual, mais nove em co-autoria. Em prosa ou poesia, está representada em diversas antologias. 
Tem uma crónica traduzida em várias línguas, que faz parte de um livro distribuído por vários museus do mundo.
Autora e apresentadora do programa " QUANDO O VERSO SE DESFOLHA" da Rádio Clube de Lamego.
Fundou, dinamiza e coordena a TERTÚLIA ARTES E LETRAS NO HOTEL LAMEGO, espaço mensal que vai no terceiro ano de existência, sendo uma importante referência cultural na região do Douro.
É autora da letra do Hino Oficial de Castro Daire.
Prefaciou e apresentou várias Obras de Autores diversos.
É Membro Académico Honorário da Academia de Letras e Artes Lusófonas. 
Possui vários galardões, medalhas e diplomas de algumas instituições portuguesas e brasileiras ligadas à Cultura.


Aurora Simões de Matos é Professora do Ensino Especial, aposentada do Ministério da Solidariedade e Segurança Social.

Tem três filhas, cinco netos e um bisneto.

Faz parte do espólio dos orgulhos castrenses e é uma honra trazê-la hoje aqui e falar-vos da nossa querida escritora, não só pela sua obra imensa de grande qualidade, como também pela pessoa que me deu a sua mão, permitiu que entrasse no seu mundo….quase como pegar num bebe ao colo, alimentá-lo e ensiná-lo a andar. Uma bela pessoa, uma Grande Mulher que pisa e pisou o mesmo chão que eu, respira o ar da serra, sente estas coisas da força da terra e das gentes das aldeias do Montemuro. 

Uma mulher que revela muita sensibilidade através do que escreve, mas não só, ela fá-lo a viva voz sem medos e com grande sentido crítico, muitas vezes. 
Um vídeo que não me canso de ouvir, quando ela diz na apresentação d
e “Contos de Xisto:

“….e tanta a gente a escrever sobre a Sé de Viseu….e quem haveria de escrever sobre a Capelinha de São Bartolomeu, escondida entre os verdes milheirais da minha terra, onde no dia do Stº Padroeiro, eu vos garanto, a capelinha de São Bartolomeu, é uma catedral maior que o mundo, onde cabem todos os sentimentos.
E tanta a gente a escrever sobre a grande rotina diária das famílias da actualidade em que o pai vai levar o seu filho de automóvel ao colégio. A mãe vai levar a sua menina à creche, e à noite os avós vão buscar os meninos todos….e sempre de carro. Trabalho meu deus, para psicólogos, sociólogos e um ror de ólogos. 

Só que na minha terra, não há ólogo nenhum a falar sobre aquela mãe que transportando o seu bebe à cabeça dentro duma canastra, a deposita uma manhã ou uma tarde inteira debaixo da oliveira maior ou à sombra da tanchoada”

Escreveu ela em contos de Xisto, estas e outras verdades escondidas por entre os penedos, amordaçadas num profundo silêncio, um labirinto, onde só quem conhece os vários caminhos, sabe como neles se movimentar e encontrar uma saída. Neles ficará um registo da grande Mulher que abraçou as suas gentes e as fez renascer em cada página que escreveu. Os seus livros serão um templo reunindo todos os sentimentos. Com as suas gentes se entregará aos desígnios de Deus e encontrará no Universo um novo caminho. 

Mas, este sentido crítico é revelador da mulher coragem, porque ela dá voz, à voz nascida no ventre da terra, e também fecundada no ventre materno.  Mas esta Mulher coragem, Aurora Simões de Matos, ousou ir em frente e com a edição dos seus livros, leva longe outras vidas, outros sentires, enfim outras mulheres. A exemplo disto temos este seu último livro “A Sobrevivente”

Porém, não posso deixar de referir que também ali está a minha avó, minha tia que ainda vive com 95 anos e tantas outras mulheres que foram a força da terra a germinar vida por entre as paredes de xisto.A semearem e cavarem a terra, a regarem os milhos, a cortarem mato no monte, a ajudarem os animais a parir, a cozerem o pão…etc. Sem nunca esquecerem a sua condição de mulheres no mundo, reflectido num olhar serrano dotado do conhecimento de vida na terra.

Invertendo a ordem das coisas, deixemos a Mulher escritora respirar a nova ordem de um mundo intensamente vivido no encontro com o outro. Caminhos de terra e de água, caminhos de vento e de fogo – a força intrínseca que lhe é natural, tal como são todas as paisagens das serranias. O mundo que abraçou retornará em silêncio num tempo que não será tempo, mas sim uma nova ordem de todas as coisas. Da sua nova varanda, voltada para as encostas, sossegar-se-á o corpo e os olhos no leito terno do rio, enquanto a sua alma, viajante, é um composto de várias fragrâncias a ocupar o espaço de um buraco negro no Universo. O Xisto, o seu longínquo caminho, abrirá caminhos novos a todos os que quiserem sentir a metamorfose laminar em ebulição constante. Pedra sobre pedra, lasca sobre lasca, ou simplesmente a imensa catedral em construção, o templo maior, edificado por palavras, que irão para todo o sempre ser a voz da terra, e terra com terra, respirarão a nova ordem das coisas Universais. 

Foi uma abordagem minha sobre a forma como a sinto, e muito mais haveria para se falar da escritora castrense, que aqui veio abraçar Lisboa com a “Sobrevivente”.


Aproveito para agradecer à Escritora Aurora Simões de Matos, por este aconchego, feito de pedaços de terra, de alma da terra. 

E por falar em “alma da terra”, aproveito para citar uns versos do poema - “Lembra-me um sonho lindo” de um grande poeta e compositor Português  – Fausto.

“Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada!
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!”

Maria Dolores Marques – 15/11/2014 – “A Sobrevivente”

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Celeste Almeida apresentou "Uivam os Lobos" no Museu João Mário em Alenquer

Falar de Dolores Marques, hoje com o pseudónimo Dakini, é para mim tarefa fácil!  
Fácil falar dela como PESSOA, pois tendo eu o prazer de a conhecer, viajo até  uma  pequena aldeia do concelho de Castro Daire , distrito de Viseu, perdida algures na serra do Montemuro!! 
Hoje perdida, mas em tempos remotos uma aldeia de grande importância administrativa pois foi um concelho, no inicio da nacionalidade! 
Moção, uma aldeia onde se ouvem “campainhas a chocalhar nos montes e nas mãos, línguas de fogo” (DO POEMA” LÍNGUAS DE FOGO”)! 
Uma aldeia onde as pessoas vão pela noite deitar as águas aos campos, receosas das misteriosas lendas de bruxas e lobisomens, que em noites de lua cheia amedrontavam novo e velho. 
No imaginário da autora encontram-se imagens simbólicas a carregadas de mistério, tal como esta: “Tinha um turbante dourado amarrado ao
pescoço…”
Será a serra abraçada pelos deuses ou pelo sol? 
Será o filho de deus a iniciar a sua peregrinação pela terra ainda virgem aos olhos da autora? 
Seria esta busca incessante pelo amor original, aquele que está acima de todas coisas? O verso “persegue-me esta brisa que me atiça em noites de lua cheia”  
Seria o seu imaginário quando a lua cheia iniciava o processo de transformação e o homem passava à forma animal, a BESTA ainda presente no seu tempo? O amor original, move-se da origem e atinge o núcleo do seu corpo em prazer factual e causal.

Uma aldeia onde o grão sofre a guilhotina da mó do moinho, onde se apanham as amoras das silvas e se comem lavadas no pó, onde se lavra a terra que cria o sustento “como se comem as amoras/ como se lavra a terra”   ( DO POEMA “ MOINHOS AO VENTO” )…enfim,  uma aldeia das terras altas, como altas eram as expectativas de Dolores Marques! 

Moção terra natal de Dakini, onde brincou com a lama, correu atrás das cabras e das vacas, fiou linho, teceu lã, bebeu água do fontanário e das nascentes térreas, rezou o terço ao serão, pediu a bênção ao Senhor pai e Senhora mãe, caiu e se reergueu  tantas e tantas vezes…era um berço demasiado pequeno para seu imaginário e ambição!
Inconformada por uma vida tão cheia de nada, pisando um chão feito pó, ouvindo o rezar dos sonhos jazidos no musgo, o toque das avé marias que a despertavam para a vida, querendo abraçar novos horizontes, respirar novos ares, tocar um céu maior, Dakini  resolve deixar para trás as suas origens, guardando na  alma os segredos voláteis, que ao longo da sua vida fizeram eco na voz do seu silêncio e na espuma dos seus dias!
Migra para a capital levando na bagagem o inconformismo que sepultaria na correnteza do Tejo, arregaça as mangas e lutadora singra na vida com determinação e mérito! 
“Um dia pensei…e eis que…por força das circunstâncias decidi partir, sem tempo para voltar…deixei-me levar para sítio incerto…” escreveu em “Uivam os Lobos”
Sem medo de assumir a vida e sem medo de se assumir a si própria, transforma o seu desejo criativo em escrita concreta. Ama e escreve o que sente. A poesia é parte do seu corpo. Escreve o tempo todo e  não apenas quando está diante do papel ou do computador! Esse é o momento final, em que as palavras saem dela e tomam forma exterior. 
UIVAM OS LOBOS, é o reencontro da autora com as suas origens, com a serra do Montemuro, com as terras altas, como ela orgulhosamente lhe chama!  
Filipe Campos Melo, o apresentador da obra no lançamento em Lisboa, referiu-se a este livro, como um regresso ao passado. Diz ele que este livro é uma peregrinação. 
Concordo com esta definição e que se encontra em 2 unicos momentos: Mimetismos e Cultos. 

A autora desloca-se no espaço e no tempo recriando novos espaços e novos tempos, povoados pelo seu imaginário dando voz a um tempo passado mas ainda presente tal como afirma Sofia Gabro no prefácio tratar-se “De Um palco de memórias, imensamente vividas, imagens remanescentes de um outro tempo, aqui presentes neste livro sob a forma de um eco” 
Será este UIVO dos Lobos, que na serra do Montemuro continua a acordar o vento, que a acompanhará ao longo da sua vida, esteja ela onde estiver! 
Dakini, Mulher coragem, determinada, sensível, afável…continua como ela diz: ” com receio de cair na boca do lobo” !
Dolores Marques iniciou esta aventura dos livros em 2008, com edição do seu livro “Olhares”, também este traduzindo muito das suas raízes. Aqui neste livro temos o nascimento da sua escrita, “uma escrita bebe”, como ela já o revelou. Poemas com uma linguagem simples, mas com a sensibilidade da mulher que tinha deixado para trás a força da terra e das gentes do Montemuro. 
“Subtilezas da Alma” o seu segundo livro de poesia em 2009 e em 2011 “Às escuras Encontro-te” o seu primeiro livro em prosa. 
Estes livros foram escritos em simultâneo, e por isso dentro da mesma linha temática. A introspeção abrindo caminhos, onde os silêncios ganhavam voz e a espiritualidade se desenvolvia para escritos mais profundos num encontro às escuras para chegar à luz que ia crescendo no seu mundo interior. 

Celeste Almeida