quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

CORAÇÃO DA TERRA - A Dança dos Elementos



O ar que entrava pela porta dos fundos chegava de um fundo invisível. Ainda a Primavera se inteirava de como entrar pela janela, e até nos montes as urzes se tinham atrasado por causa do fogo que lavrou durante a noite todas as flores montanhesas. Somente um ramo de giestas se firmava ainda com aquele odor que embriaga, e eu com pés na estrada empoeirada gravava simplesmente o tamanho dos meus passos. A terra ainda mole e macia deixava a descoberto mais um dos seus elementos, que quase sempre surge de um fundo apetecível.
A nascente de água insistia no seu caminhar agora por entre as cinzas negras e fumarentas. Tratava-se da água da fonte fria. Talvez por ser a água que está sempre pronta para beber, fresca e límpida em qualquer época do ano, quer seja da festa dos doces ou de romaria.

Os meus pés também descobriram uma espécie de amuleto muito brilhante que ainda guardo religiosamente. Durante esta época festiva, e porque se trata da festa dos doces, eu seguro-a nas pontas dos dedos e dou-lhe brilho como se de um pão de ovos se tratasse, a sair quente lá do fundo do forno a lenha. A pedrinha com lascas de xisto brilhantes e coloridas, tais como as partículas reluzentes de granito, satisfaz assim este desejo interno de ser somente mais um pedaço de terra. Desejo firme da minha terra em me sentir gente, como as gentes que ainda habitam os fundos de vida, mas com promessas para uma viagem ao fundo do maior fundo de verdade que há em nós.

Este é verdadeiramente sentido pela sua força viva, genuína, e Divina a tomar-me o centro, no maior centro energético, onde o Amor sempre se demora.
A voz do fogo continua a ser o garante para o desfile universal de todos os outros elementos. Trazemo-lo dentro de nós como força viva a incentivar-nos a seguir em frente. Sabê-lo-emos a força interna de um Amor que sempre cresce e dá flor, mesmo antes de a Primavera nos bater à porta?

Poderemos concluir-nos neste pedaço de chão, ou deixarmo-nos consumir por ele até ao último tição, como quando se colocam junto à porta do forno para dar luz e cor ao pão que irá caber na nossa mão. Amassou-se, deixou-se levedar, tendeu-se e enfornou-se. Não coube todo de uma só fornada. Acho que foram precisas duas ou três, assim como duas ou três vezes se lançou lenha para a fogueira, e de novo se acelerou o processo que consiste em colocar a base do forno em quase ebulição.

Varreu-se de seguida com uma vassoura feita de ramos de giesta. Permitimos que as brasas caíssem junto aos nossos pés e se misturassem naquele monte de tições apagados envoltos em cinzas ainda quentes. Depois com um pano encharcado em água limpou-se abafando aquele fogo ainda presente nas grossas pedras negras que mais pareciam de ônix sobrepostas. Deixámos que arrefecessem um pouco para não queimar a base dos bolos do pão. Desta forma, até as carquejas secas que ocupavam ainda parte do velho soalho, se abriam todas àquele cenário onde os elementos agora em chamas, se dispunham à porta do forno, para um bailado contemporâneo.

A coreografia, composta entretanto pelo elemento humano fazia parte de uma encenação duvidosa, por não se saber afinal quem se apressava em demasia para os passos de dança que a vida obriga a cada género

Uma série de elementos diversificados a sobreporem-se no mesmo chão de terra, onde o fogo se acostuma, a água se deslumbra e o ar se consome nesta mistura que já no passado juntou as sementes todas para a transformação do pão.

Uma sequência que inquieta até o maior elemento dos últimos tempos. O elemento humano, a querer consumir-se antes do tempo, por quanto fogo carregar em vida, e não saber ainda como matar a sede, saciar a fome e apalpar com as mãos as partículas rochosas de um amuleto nascido lá no alto da serra, onde o fogo ainda canta e se lamenta por todos os amores que deixou escapar por quanto querer avançar até às margens do rio.

Ali, quase sempre se aquieta, porém cessa sem antes conhecer a cor dos meus olhos quando por ele sentem paixão, que sempre queima e dói sem saber que se irá afundar um dia no poço fundo, onde todos os sentimentos se confundem e se afogam antes de se conhecerem sãos e únicos na forma.

Em verdade vos digo que continuo a amar este Universo de luzes e cores a bailarem nos meus olhos. Por isso insisti em vir por aqui. O desafio da voz do fogo é irrecusável. Ele coloca-nos perante uma imensidão de emoções e de sentimentos. Sofro, eu sei, mas gosto desta espécie de dor que queima por dentro. Nem ligo muito a festas, mas às pessoas. Adoro pessoas. Gosto de mim….muito. Mas só gosto porque tenho sempre cá dentro muita gente.

"Se não falarmos antes, se não nos virmos antes, até dia 31 se Deus quiser”

Deus queira que me amem!!!

Dolores Marques


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Parabéns ao Montemuro


Parabéns ao Montemuro e a todas as gentes que ainda insistem neste palpitar. 
Parabéns à Terra, às Mulheres, e a todos quantos guardam ainda nos olhos, a última verdade do seu Ser real e verdadeiro. 

Olhares que se liguem ao Ser inteiro, e não se encolham por entre silhuetas perdidas nas sombras do caminho.

Parabéns a todos os filhos do Montemuro.
Parabéns a todo esse universo de luzes e cores que ainda alcança os filhos além fronteiras. Abraços.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

"SIMBIOSES MONTEMURANAS", o novo livro de Dolores Marques, brevemente.




(....)
vivia à custa, do que com pouco esforço fazia cair nas suas mãos, num período em que a idade, às vezes é a conhecida "idade do ouro". Porém, a ironia do destino fê-lo completar a sua história de vida, vivendo da caridade dos da terra. 

Um absurdo, este pedaço de vida, que conta com muitos outros absurdos, que impediam o Ser, de o ser verdadeiramente, por não lho ser permitido.
A este não lhe foi consentido ser criança, sequer sonhar e projetar o olhar para lá daquele horizonte.
Tinha, às vezes para enganar a fome, uma côdea de pão antes de adormecer.
(...)
(foto incluída no livro, daquela que foi a última residência, até à sua morte)

Simbioses Montemuranas - Um Livro

(...)
Pareceu-lhe que alguém chamava por si. Estanca de imediato os passos! Porém sem se atrever a olhar para trás, ouvia agora com maior nitidez uma voz de criança, que lhe dizia:
- Nem tudo "são rosas, meu Senhor". Perderam-se pelo caminho, quando se decidiu colher o dourado dos campos, meu Senhor.

Falava com doçura nos olhos, enquanto ele, num ranger de dentes que se sobrepunha entre a língua agora amaldiçoada, seguia em frente. Apertou bem o casaco, que o frio, a ninguém poupa a forte aragem provocada pela geada, que de noite chegou. Levou a mão ao bolso e retirou de lá um rebuçado, que enfiou dentro da boca.
Antes de se adentrar pela neblina, ainda olhou para trás, mas nada viu. Mais uma vez, se certificou da presença do Divino, a criar ecos nas pedras da calçada (...)


"Simbioses Montemuranas", o novo livro de Dolores Marques em projeto de edição

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Sobre o livro "Prometo Voltar" de Jorge Ribas

“Era sem dúvida um cidadão do mundo, mas Portugal corria-lhe nas veias.” 

Sobre o livro: “Prometo Voltar” de Jorge Ribas 

O ponto de passagem para o outro lado do mundo estava ali gravado naquelas paredes, onde sua mãe se entregara ao destino, há tantos anos atrás. João,  após ter aprendido a ler e a fazer contas numa ardósia xistosa, sentiu-se nu na penumbra dos dias, quando da serra chegavam montanhas de nevoeiro a roçar-lhe a pele morena da face.

Também por entre “cordas de água” se desprendia em movimentos disformes, quando por via dos ventos de cima, tinha que lhe virar as costas, não fosse o diabo tecê-las e ver-se obrigado a virar  as costas ao Deus:
seu já conhecido e amigo nas horas tristes, em que subia as encostas da serra e ali ficava pegureiro sem medo, mas com horizontes fechados nos olhos.

Crescera o Homem Serrano que no Montemuro se completava, quando sentado nos penedos, se organizava em prol de um futuro promissor. Porém, nunca por nunca, avassalador do amor que nutria pelas suas gentes, pela sua terra, onde as rosas também nascem, se criam e amam todo este movimento celestial que sempre desce do alto, lá bem perto do céu.

Deste facto, tinha ele consciência plena. Enquanto as giestas se entregavam ao vento em tremeliques dançantes, ele via por entre aquele odor “giestal”, a força que o  levaria para lá, mas sem nunca faltar ao prometido que a sua consciência já determinara.

Também já o consentira, a sublime existência de dois seres que se completavam entre olhares e toques de mãos, quando no moinho se entregavam à doce e imaculada água que descia da serra, e fazia girar a mó que daria o pão nosso de cada dia. Às vezes até o pão que o diabo amassou!!!
Mas, Rosita trazia sempre aquele doce e intemporal sorriso nos lábios, aliado ao seu perfume natural, que tudo assim se completava neste cenário montemurano.

Cumpriram-se todas as promessas. Desfizeram-se todos os enganos, se os houve,  neste trajeto, quando no rio se fez homem em busca da aventura existencial, para se cumprir o sonho de ir mais além. Ali, naquelas águas mornas, as correntes amorteciam-lhe a queda e levavam-no a outras paragens.
O Rio Paiva, o seu rio, um forte simbolismo caracterizado pelos movimentos migratórios que o fizeram conhecer a maior corrente que nos corre a todos nas veias e que se chama, Amor.
O seu rio onde sentiu o primeiro toque feminino, que por consequência o fez conhecer a paixão, o prazer de se sentir também, amado e desejado.

Simbolicamente falando, estamos perante duas forças do feminino montemurano.  A corrente migratória de um rio, enamorado com a energia migratória serrana. E ali estava mais uma vez, a única força revitalizadora – o AMOR. Esta força, existente entre dois seres, nascidos e criados numa encenação perfeita, tendo como palco uma aldeia da serra do Montemuro.

Por fim, é chegado o momento de abrir os olhos e deixar sair os horizontes ali trancados. Novas correntes se apoderaram desta força da montanha, quando se lhe afiguram novos ventos, os quais, embora distantes, tinham ainda muito para contar. São estes ventos fortes do Norte, capazes de mover montanhas, mesmo as montanhas da saudade.

Nem mesmo a distância apaga as imagens dos elementos que caracterizam a serra do Montemuro:
Gente brava, aventureira, dura como o granito, que os lançou em desatino por conta das novas correntes que corriam nos seus corpos. Correntes migratórias que os levaram em busca do sonho ali nascido e criado.
Pelas suas raízes fundas, nunca a aridez de outras culturas as fez secar, porque os desertos infindáveis são agora correntes movediças, nos corpos que aguardam pelas novas chuvas de um outono em plena euforia.

Do outro lado do mundo, a força presente neste livro continua viva e intransigente.
A promessa ganha cada vez mais força, e a cada dificuldade, João vê-se confrontado com a exigência que a terra obriga. A sua terra, as suas gentes, e, principalmente aquela energia feminina, que no papel de sua mãe está bem patente neste vai-e-vem entre uma montanha e outra.

Poderemos até, firmar-nos na existência de um  fio de ligação entre a serra do  Montemuro e o Monte Cervino em Matterthon, que sempre existiu: dias em que de um lado surgia o nevoeiro a trazer aquela chuva miudinha, que formava cordões de água, e do outro, os farrapos de neve esvoaçantes, formando um todo unificado entre os dois lugares.

Por quanto me inteirar destes amiúdes gestos, que se soltam por entre as páginas deste “Prometo Voltar” de Jorge Ribas,  também gostava de me prometer ser fiel à leitura presente. Não me alongar por montes e vales numa procura incessante de simbologias de terra, em confronto com os outros elementos. Ouvem-se rumores de um  tempo, que ainda corre veloz por entre os trilhos da serra, cujos personagens deste livro calcaram e vincaram, como se os tempos fossem de primaveras sucessivas.

Neste tempo, em que o amor se consumava entre montanhas saudosas de afectos partilhados à mesma mesa, na Serra do Montemuro, os aromas primaveris dançavam entre portas, quando por via da velhice, aliada ao isolamento, seus pais tiveram que parar.
Sua Mãe soprava ainda as brasas de uma fogueira semi-acesa, enquanto o Pai se intrometia, ante a tristeza que se misturava por entre as ervas, ainda escorregadias de um inverno longo.

Mas, a força da natureza é algo de grandioso.
“Um bom filho a casa torna”, enquanto as duas forças unidas gerarem novos ventos de esperança, e com eles, novos acontecimentos  a fazerem crescer melodias nos pinhais, agora mais fartos.
A força da mãe presente neste livro, a MÃE que o gerou, e o criou...e o devolveu à terra, de modo que esta fizesse o seu trabalho de fundo, que era levar o filho a correr mundo. A energia da mãe, sempre em constante afirmação, quando por causa de se ver forçado a emigrar, se aventurou por caminhos novos e ali se completou.
Por fim o Amor. De novo esta energia que se abre em danças celestiais e permite a cada  Ser….ser um Ser.

Assim se constroem vidas, e se tentam calar os ecos de um passado de raízes fundas e lágrimas correntes migratórias. Porém, nunca por nunca se calam as vozes, tais ruídos de fundo que dão  vida a esses mesmos ecos. O rio ainda espera por ele e a serra igualmente o recebe, tal como o Amor que deixou para trás, mas aguardando que se cumprisse a promessa de voltar.

Lavoisier mostrou como:“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, mas as reações químicas, provocadas pelas alterações climatéricas no Montemuro, deixam implícito todo este movimento, a quem viaja para se fazer cumprir toda uma vida. Por isso, nada se compromete, sem deixar como palavra de honra, a única que se conhece, ajustada ao meio onde sempre se viveu e nunca se perdeu.

Tenho para mim que na ânsia de voltar, o livro ainda não se completou. “Prometo Voltar”, deste meu conterrâneo, Jorge Ribas, é uma viagem no tempo e no espaço, tendo, como ponto de partida e de chegada, os elementos que se surpreendem uns aos outros, por conta da força dominante, que o sentimento natural por todas as coisas, ainda suporta.

O fio de ligação entre as duas montanhas ainda não se quebrou! Daí, este imenso caminho ainda à espera que se prometa ficar.


Dolores Marques


Dolores Marques
Texto publicado no Notícias de castro Daire

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Simbioses Montemuranas


Quando leio sinto, mas ao sentir fecho os olhos para que às escuras encontre pontos de encontro, nas páginas folheadas e impregnadas de aromas. Existe algo de maravilhoso quando se sente a alma limpa de quem escreve. Assim como conseguirmos estar nos lugares percorridos, sentirmos o peso, assim como a leveza dos tempos, passado, presente e futuro. Por fim o autor, a revelar-se, porque não nos é possível escapar a isso.

Eu gosto disso. 
De me desnudar através da escrita. Não tenho receio dessa minha verdade, precisamente por isso, por ser verdade. Prefiro que me avaliem pelo que escrevo, do que por outra forma, que nem sempre é a mais credível, pelo simples facto de termos tendência em nos revermos no outro, fazendo dele um espelho. Talvez por isso, ao longo do tempo fui escrevendo nos sites da internet, com os nomes que já tinha criado para escrever. Mais tarde revelei quem era a tal de ÔNIX, a outra que da pelo nome de Dakini e por fim Epifânia &Ainafipe -estas duas escrevem em diálogo e o trabalho que tenho delas, tem mesmo o título "Ao Espelho".
Mas tudo isto para dizer o quê? Que existe uma reciprocidade nos sentimentos, tal como em tantas outras coisas, quando vos olho, como se isso não fosse nada de novo. Talvez por termos ocupado os mesmos espaços, sentido as mesmas vivências? Não sei! Mas sei que queria dizer-vos poucas coisas e já escrevi tanto. (E há tanto tempo que não escrevia uma carta).

Escrever para mim já se tornou um vício, sei lá, é assim como gostar de comer chocolates, bolos, sobremesas daquelas bem húmidas e igualmente cremosas. Sou tão gulosa! A acrescentar a isto, e por ter deixado de fumar, engordei e sinto-me estranha. Mas não me sinto mal. Sempre gostei de me ver ao espelho, e reparem na personagem que criei para conversarmos as duas.
Mas às vezes canso-me de tudo. 

Estive lá na aldeia. Deitava-me, às 21h30, e às 7h30 já estava na rua. Um dia cheguei a Castro Daire e após beber um café, estava já cansada de esperar pelo movimento das ruas.
Ali, até parece que não existe tempo. Será por estarmos mais perto do céu? Ou por termos uma visão alargada do mundo, quando subimos ao alto da serra e o nosso olhar se multiplica em simbioses múltiplas, e desclassificadas? 
Talvez se encontrem as duas partículas rochosas, enquanto fechamos os olhos numa espécie de meditação profunda.

Dolores Marques

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Simplesmente uma varanda virada para o rio

CORAÇÃO DA TERRA
Simplesmente uma varanda virada para o rio

Não sei se existe ainda a palavra, com a qual se possa dissertar sobre algo que tenha a ver com a alma que colocamos em todas as coisas.
Como se vem sabendo, com o tempo tudo passa e muitas vezes até se esquece. Não sei se é assim com tudo o que ainda se firma entre os dedos, por termos nas mãos o destino que muitas vezes nos acontece. É que se firmam muitas vezes, as mãos em punho sobre a mesa, onde se escreveram odes a todas as coisas.
Sei que por muito pouco, o meu olhar não atingiu essa presença envolta num véu de onde se soltavam gemidos traídos por um céu replecto de sombras. Lembro-me tantas vezes porque nunca o meu olhar nos traiu, quando nos encontrávamos à beira mar e falávamos de um rio que ainda corre por montes e vales. Das suas correntes sabia-o bem pois nelas me deitava a olhar o céu e a contar quantos ajuizados haveriam de existir, para que chegando lá, me faltassem todas as palavras com as quais construímos muros e outras coisas. Seguimos por novos caminhos, porque nada nos faz ficar presos ao passado, tão-pouco juntos.

Se por causa de um qualquer culto, em que de joelhos no chão me dispunha a contar a tua história, me deixasse ficar a remexer a terra com apenas um dedo da minha mão, esse seria um dia admirável até por quem nas alturas me guiava os olhos em busca de um novo sermão. Riscaria na terra ainda húmida todas as letras com as quais escrevemos poemas in-duo, e os deixamos ficar a contar estrelas no céu daquela varanda virada para o rio.

Que bom que é, não ter passado nem presente e nem futuro. Que bom que é, Ser-se só, e sem nenhuma ordem de tempo. Se por lá houvesse algo que talvez se pudesse trazer para o presente, e quiçá levar todos os acordes desse som para um futuro próximo, onde os poemas se construíssem e não se substituíssem por qualquer ordem imposta por poetas, que no presente fazem histórias estruturadas com ecos impostos pelo pensamento abstracto.

Sei de um tempo, em que acreditar nas palavras com as quais se escreviam poemas, era um monocórdico volume, adulterado por um movimento aberto para quem quisesse ser seu amante, mesmo que o som fosse ultrajado por qualquer poema mastigado e depois cuspido. Lembra-me este facto um tal desaguisado entre um livro com poetas e não poetas, que prometiam ser fiéis à sua alma, mas que por qualquer razão dominante, se juntavam e se decapitavam uns e outros na mesma arena.

Sei também que na falta de um elemento, os outros, castigados pelos ventos, trocavam os nomes às coisas. Por isso, em prol da omnipresença de um todo, permitia que a nova mudança do tempo criasse em mim um saber de outros tempos, quando menina soltava ecos pelos campos, e madrugava os olhos no verde dos lameiros com enchentes de águas cristalinas nos cabelos.

Não sei porque este tempo do agora me permite ir lá atrás, arrastar o pensamento a uma maldição antiga, que foi quando o tempo se engoliu a si próprio, sobretudo quando também por causa do futuro se mantiveram as mesas de honra voltadas ao contrário.

Sei de um tempo nosso. Um só tempo que me permitiu Ser poeta e escrever sobre causas infinitas, num olhar sem passado, nem presente nem futuro. Simplesmente uma varanda virada para o rio.

Dolores Marques

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Escrevo assim nos ventos, a brisa

Escrevo assim nos ventos, a brisa

Escrevo versos com tinta plástica
nos altares que de pedra erguidos
acolhem a velha ordem eclesiástica
e ignoram o Verbo em versos perdidos

Escrevo assim nos ventos, a brisa 
com alma por dentro e lágrimas por fora
não consinto é que a Mona Lisa 
seja um poema ou um verso que chora

Afirmo ao povo... àquele povo que consente 
nestas letras, o verso, o poema ou a prosa
que quem escreve nem sempre mente

Há quem diga que o poeta até pressente
o povo ausente nas rimas e nas metáforas 
e ainda assim chora alegremente

Dolores Marques

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Tal como Vós Povo



Há quem escreva 
para o povo
do povo
há ainda quem escreva
sobre o povo
mas eu sou simplesmente
um verso
no meio do povo

Por isso 
sigo esta viagem
da alma
por caminho incerto
nem sempre 
cuidando desta minha fé
enraizada no mesmo chão
onde andei descalça
enterrei sementes
na mesma terra
onde nasci tal como vós
POVO

Brinquei e contei
pedras no rio
o mesmo onde as correntes
são vadias
mas não vazias

Há quem espere
em agonias
pelo povo
porque só ele
é o sustento
de tantas fomes 
no meio dos montes

Por isso
eu não escrevo
para o povo
nem do povo
e sequer
sobre o povo
SOU POVO

Que importa isso agora
se tudo o que escrevesse
não seria nada de novo
que rimasse com povo...

Nem sequer serviria para nada
porque o nada
habita nas palavras
e estas por sua vez
já foram 
tal uma cesta de vime 
VAZIA

Que importa escrever 
para o povo
se povo já eu sou
na inverosímil
mas devida
omnipresença

Por isso
escrevo para os outros
que do povo 
bebem histórias
e à semelhança do pão
se ajoelham no chão
para a sagração
da sua própria convicção

Não me peçam palavras novas 
que do povo nascem sempre
as mais carismáticas
quando por força maior
se quedam junto dos Santos
e estes as inspiram
para a nova ordem das coisas




Escrevo sim
palavras do coração
a linguagem da mãe 
e que por ligação
ao pai 
fecundam os versos
os poemas e as prosas
Por isso 
sou assim
perante a vossa 
indiferença
a alma que segue
pelos campos
que no rio se alimenta 
quando da chegada
de novas correntes
que são os meus olhos
o meu corpo
e até o meu pensamento
enquanto os outros
tentam decifrar códigos
por entre as palavras 
que escrevo

Dolores Marques


Metamorfose Montemurana

Coração da Terra
Metamorfose Montemurana

Satisfaz-me saber de um saber antigo, daqueles que todos os ventos trazem quando uivam na noite por serras e serranias, por entre penedos e fundos grotescos do ambiente serrano. Satisfaz-me saber das várias alterações climatéricas que nos trazem novos ventos e brisas, dos quais se soltam novas histórias com mais pés e cabeça, apesar das várias cabeças cortadas com a foice dos enganos.

Os ventos adversos nem sempre trazem acopladas partículas desintegradas do granito. Há dias que se dá a metamorfose proveniente da junção das duas forças rochosas, que nem o xisto e sequer o granito sobrevivem, quando por força das circunstâncias, há lugar a uma nova força que gravita à roda da presumível nova rota dos ventos.

Não me satisfaz saber, que tudo é como o tempo e com o tempo se apaga. Há melodias que são eternas nestes caminhos íngremes, por entre granitos e xistos. O tempo, tal como o vento carrega fardos nunca antes pensados e sequer profetizados pelos profetas que cantavam ao Deus único, e também o único morador do cume da serra. Inteirava-se ele, sobretudo, de todas as maldades e atrocidades dos humanos, quando por força de alguns mediatismos, se interrogavam, se as enxadas, os forcados e até as foices, seriam a única via para se apresentarem como justos, todos os gestos carimbados nas notas de rodapé de um livro virado ao contrário.

Impressionante é também a forma como se vira a mesa, e depois de virada se lhe cortam as pernas para que na próxima refeição, ela seja, não só uma mesa mas um monte de histórias sem a cabeça e sem os pés. Impressionante como se manipulam as refeições colocadas na mesa, a mesma onde trucidaram todas as pernas dos frangos acabados de nascer. Impressionante o mediatismo catastrófico de uma refeição à mesma mesa. Impressionante a forma de muitos virarem os frangos e os colocarem de fato e gravata, e da mesma forma, sentados à mesma mesa.

Aqui na terra dos justos, a justiça nem sempre anda de mãos dadas com os versículos escritos à pressa por mãos humanas. Impressionante... como, querendo, contabilizamos diariamente os pensamentos e os comportamentos "nazis" que nos cercam. Porém com uma nuance ....agora ainda mais enfeitados com as penas do "anjo dos infernos", que entretanto cresceu.

Aqui na terra que é de todos, nem todos se movimentam em prol do bem comum. 
Aqui no planeta azul nem tudo é azul, porque as paletas de cores foram adulteradas com o sangue dos ainda vivos, amedrontados com o poder que vem muitas vezes como um calafrio na espinha.

Os rostos enxangue neste vai-e-vem, onde o granito se desintegrou serra abaixo, e se descuidou num decoro irracional, foram engolidos de seguida sem sequer saberem quem os engoliu. As bocas são muitas e o granito começa a escassear neste ermo em tons ébrios mas distantes de um azul celeste, que também é engolido quando o lusco-fusco chega, e o azul indigo lhe dá conta de um saber que vem de um horizonte acabado de chegar, mesmo ali junto à entrada maior do templo.

Impressionante, como querendo, todos os olhos vêem além do óbvio. Porém, estão todos cegos. Impressiona, que nunca por nunca imaginei um lugar assim com rasgos frontais da memória, a quererem afundar as correntes amontoadas à volta dos olhos. Impressiona este humanismo todo com que se vestem os homens e se deixam nuas as mulheres, todavia, tudo é tão vago e quase um nada, que muitas das vezes o abismo é tudo. Depois, são os braços dos homens a esburacar um túnel que dá conta de mais um templo que na terra cresceu e se desenvolveu. Às vezes dou até comigo a falar com um outro eu que fui criando, enquanto os anjos não desciam dos céus e habitavam o templo.
Era assim um diálogo nocturno, como se a noite fosse o templo que Deus me deu.

Eu sou Dolores Marques, Coração da Terra

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Ponte Românica em Grijó


Ruinas


Nevoeiro

Para lá do nevoeiro a serra da Arada, vista de Moção

E o céu ali tão perto


Cenário de aldeia



Moção. Proprietário - O Nuno e a Aida

O Conde em Castro Daire




Mandou construir cerca de 120 Escolas primárias por todo o País.



Para lá de um olhar a serra, o rio

A casa onde nasci em Moção

Caminhos fundos


Freguesia de Pinheiro. Caminho que sobe para Ribas

Para lá de um olhar

Perto das poças, uma casa em Ruínas. A cada ano que passa se vê a degradação

Antiguidades em Moção


Já nada existe. Só ruínas e pedras espalhadas pelo chão. Diziam que esta casa teria sido o Quartel, quando Moção foi sede concelho

Ruinas Vonvento Ermida


Ermida

Imaginam quantas horas passei dentro da Igreja do convento a tentar descobrir o significado das siglas gravadas em cada pedra? Pois eu também não, porque a ver pelo exterior de agora, tudo era incerto. como incertos os milhos que já tinham espiga e tudo no terreno que o circunda

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.

CORAÇÃO DA TERRA
Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.

A noite neste lado da serra está inquieta. Uma noite sofredora pelos ventos que carregou em vida. Esta é agora outra noite. Tenho-a inteira sobre os meus olhos, apesar dos pingos de chuva que se ouvem cair nas pedras da calçada. Gostava do tempo que a percorria, porque sentia-a sempre uma nova calçada nos meus pés imaculados.

A neve que escorre do único Talegre que se avista ao longe por entre as serranias é o indício de que novas divindades descerão dos céus. Contudo, a noite sofre pelos tempos idos e não tidos na sua fronte decepada. Nos longos caminhos que percorreu em vida, continua a ser noite, noite simplesmente. O dia, esse não lhe dá tréguas, porque traz sempre em todas as manhãs, um novo formato de como desafia-la a ser um posto erguido nas fronteiras onde os segredos ganham forma. Os Entrudos aguardam por todas as Páscoas, para lembrá-la que os moribundos descem das encostas, quando Dezembro é em todos os Natais, a força que nasce em cada dia. Enquanto isso, em cada rosto nasce o dia certo, para ser mais um corpo na montanha.

Aguarda-se por um novo mundo que renove todos os olhares. Espera-se pelo resgate da humanidade, enquanto força una num único Universo, onde os duendes ainda têm olhos e as forças contidas num rosto cativo, ainda trazem lembranças de quando se faz tarde num rosto inocente.
(Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.)

Quão breve o cruzamento de luzes e cores em todas as lembranças de outras noites, como quando as luzes dos candeeiros se apagavam sempre à mesma hora. Os geométricos gestos, sempre em ordem inversa à geometria de um olhar, àquele olhar cabisbaixo dirigido para a terra, à espera da única semente mais transcendente. Enquanto isso os mimetismos acontecem nas luras onde os corpos se submetem a rituais descontinuados, aos movimentos ilusórios circunscritos no centro da terra. Por lá já crescem as sementes e se desenvolvem as raízes para uma nova frontalidade que fará crescer novas vontades do povo por quanto se submeter ao alto e não se curvar nos baixios onde todos os aflitos se afogam num silêncio morredoiro.

Ali se despem de um corpo que lhe é o inverso. Têm nos olhos a doce figura de uma lembrança de outros tempos, mas não podem ficar indiferentes à transfiguração humana, desde que a vida se transforma a cada passo, na calçada que lhe descobre os novos passos.

Eu Sou Dolores Marques, Coração da Terra

Publicado no Noticias de Castro Daire

Minha mãe

Minha mãe a corta a lenha para aquecer o forno

Forno


Cheguei em Dezembro

Cheguei aqui em Dezembro de 1957. Nasci enquanto o fogo aquecia o espaço e se extinguia por entre as paredes de xisto. Nasci nesta casa em Moção.

O bailado do fogo

Escrever sobre o bailado dos elementos, ou sobre a lamentável falta de calor humano, ausente até nas chamas que lhes queimam as mãos calejadas ?

Uma aldeia em ruinas


Mãos

Quando todos abrirmos os olhos para o que está em cima e não nos perdermos, nem tão pouco nos abandonarmos em labirintos cujas entradas e saídas ainda suportam os brasões de um feudalismo arcaico, mas tão presente nos nossos gestos, contribuindo para um beija-mão mais que ultrapassado, aí seremos um povo com alma e não venderemos a alma ao desbarato a todos os que comem sentados e sem afrouxar o nó da gravata.

Se pensarmos até nos tempos modernos que lhes oferecem (às mãos) um novo poder já inscrito nos seus traços simétricos, até os lábios param de sentir tremeliques por causa da imobilidade dos corpos.

Dakini, pseudónimo de Dolores Marques

Eu também sou este povo a querer muito a liberdade do Ser.

A Vila de Castro Daire


Por entre as pedras de xisto

Enquanto o sonho espera para escancarar portas, as gentes desesperam por mais ventos do norte. 
Que cheguem leves e brandos, assumidamente vincados no alto da serra, onde o granito se acomodou faz tempo, no lugar onde as estrelas adormecem sempre à mesma hora. 

Enquanto os corpos adormecem por entre as paredes de xisto, que a lua adormeça por entre as sementeiras, e faça do ventre da terra um lugar fecundo mesmo que o sonho demore, mesmo que o sol se esconda e as sombras sejam agora o reflexo das gentes que com o terço entre os dedos, e as contas a saltitar por dentro dos olhos, são um eco rasgado mas não acomodado.

Abandono


Custa lutar com fantasmas

Esta foi a casa onde minha mãe deu à luz em Dezembro, logo a seguir ao Natal. O frio era muito e por isso acendeu-se a lareira e foi onde eu nasci bem perto do fogo. 
Agora em reconstrução. 
Mas não imaginam a dificuldade para termos luz eléctrica no caminho que leva ali. 
Acho que já existe por lá uma puxada qualquer de um poste. Agora imaginem o seguinte: nas traseiras da casa, existem dois terrenos em socalco. No terreno de cima, colocaram bem perto da porta das traseiras um poste enorme de electricidade, e que na altura minha avó foi obrigada a ceder, sem mais nada....
E o nada continuou porque não teve direito a luz eléctrica no caminho. Para acedermos à casa, tinha que ser de lanterna na mão. 
Disseram até à minha avó na época, que só forneciam luz eléctrica às casas habitadas por gente.
Mais tarde para se conseguir clarear isto tudo, foi o cabo dos trabalhos, ou ainda o é nem sei. Mas para clarear situações do passado, teremos que abater ainda muitas sombras coladas nas paredes de xisto. 
Custa lutar com fantasmas.

E assim é este Portugal no seu melhor ou no seu pior.

Uvas

Estavam assim em Agosto. Agora já prontas para a vindima

Paisagens


O Antes e o depois

E porque esta paisagem se coaduna com alguns sentimentos verdadeiramente expostos em terras onde os nossos passos se firmam, aqui a partilho de novo.
E o antes nem é tão distante. assim....observando atentamente, ouvindo, sentindo a água a correr, sabemos que pouco mudou por aqui.....ou nada.
Foto: Dolores Marques 

Moção ainda é uma aldeia?

Uma coisa é ver as fotos, outra é estar-se com os olhos abertos, in-loco para a realidade e ver o que resultou de uma aldeia que faz ainda parte do nosso concelho de Castro Daire, cuja vila apelidam de Princesa da Serra. 
Que Deus proteja sempre a nossa Princesa da Serra, para que viva por muitos e muitos anos, e que não se esqueça dos outros elementos da corte.

Calvário

Calvário na vila de Castro Daire. Parece que alguém a apelidou de Princesa da Serra.Onde estará o resto da corte, é que eu não sei

Ruinas de parte do convento da Ermida


Nada cala os ecos nem as correntes dissidentes que descem do alto. Alguns abatem-se sobre as águas, outros escondem-se nos silvados que fazem ninhos nos caminhos. Existem até alguns, que se prestam a ser algo mais do que simples ecos a escorregar pelas encostas.
Sabem todos como se governar quando a noite chega e afunda a aldeia na densa neblina. Todos repousam as mãos no colo antes de dormir e fazem as contas de cabeça, para não pensarem muito enquanto dormem. 
E o terço rola e rodopia agora sozinho, porque nem o novo cruzeiro dos tempos modernos lhes faz frente, quando desce pelas encostas esse movimento branco, mas sufocante onde se desenrolam novas histórias, que têm como cenário um denso nevoeiro.

Dolores Marques

Foral


O que Deus uniu


Minha tia Glória Ferreira, por cá ficou com 5 filhos a trabalhar a terra sozinha. Ele se foi onde o sonho o levou. Ao Brasil e por lá ficou, onde tudo se afundou




quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Gerações

Entre  gerações
Minha avó, minha visavó, minha mãe, minha tia

Todos na Eira

Eu e meus irmãos

Para lá de um olhar


Eras


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A linguagem da vida


Foi com quem aprendi a linguagem da natureza, da vida, de Deus. A minha Tia Carmo era a minha companhia, noite e dia. À noite rezávamos, antes de eu adormecer enquanto com as suas mãos me aquecia dos pés. Ensinou-me a dialogar com as águas, com as estrelas, com o sol, com os pássaros, com os milhos, os feijões, as couves… Ensinou-me a colher frutos das árvores. Também me contou muitas histórias à lareira, algumas de amedrontar, mas todas elas, com um final sempre reinventado por ela, para que entendesse a mensagem. 
Íamos juntas guardar o gado. Enquanto as ovelhas mordiscavam a erva, ela abria a aba do avental e retirava dali sempre algo apetitoso para o lanche. Dali ela retirou um dia, um livro, que me deu, pedindo-me para lho ler. O meu primeiro livro, com cerca de 9 anos de idade. “O Amor de Perdição” de Camilo Castelo branco. E assim fazíamos. Eu lia e ela ouvia. A verdadeira Alma de Um povo, com um coração do tamanho do mundo, um enorme Coração da Terra” a minha Tia/Avó.