sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A linguagem da vida


Foi com quem aprendi a linguagem da natureza, da vida, de Deus. A minha Tia Carmo era a minha companhia, noite e dia. À noite rezávamos, antes de eu adormecer enquanto com as suas mãos me aquecia dos pés. Ensinou-me a dialogar com as águas, com as estrelas, com o sol, com os pássaros, com os milhos, os feijões, as couves… Ensinou-me a colher frutos das árvores. Também me contou muitas histórias à lareira, algumas de amedrontar, mas todas elas, com um final sempre reinventado por ela, para que entendesse a mensagem. 
Íamos juntas guardar o gado. Enquanto as ovelhas mordiscavam a erva, ela abria a aba do avental e retirava dali sempre algo apetitoso para o lanche. Dali ela retirou um dia, um livro, que me deu, pedindo-me para lho ler. O meu primeiro livro, com cerca de 9 anos de idade. “O Amor de Perdição” de Camilo Castelo branco. E assim fazíamos. Eu lia e ela ouvia. A verdadeira Alma de Um povo, com um coração do tamanho do mundo, um enorme Coração da Terra” a minha Tia/Avó.

"As Nossas Raízes, o Passado e o Presente" Livro de Celeste Almeida




Coração da Terra
“As Nossas Raízes, o Passado e o Presente” - O Livro de Celeste Almeida

Eis que surge um livro, e com ele renasce a autora em cada página folheada e resgatada de um tempo que continua a fazer furor por terras de Castro Daire. 
Mulher que se afirma detentora de conhecimentos de vida, os quais germinam agora por entre rios sedentos de novas correntes, que seus dedos fizeram reaparecer em cada momento vivido entre as gentes do Montemuro. 
Este conjunto de folhas que se libertam, embora arrumadas entre os cinco capítulos que compõem o livro, evidencia o passado de um povo, que nos é sobejamente conhecido. Firmam-se dessa forma nos nossos olhos, através de uma energia que se move em círculo, entregando-se em plena euforia, iniciando a sua trajetória pelos caminhos traçados no céu. 

E aquele ponto não é um ponto qualquer 

As primeiras páginas são a ponte para início de uma imensa viagem sem um ponto limite. Nem mesmo alguns “Pedaços de Céu” do primeiro capítulo, se assumem como fazendo parte do limite que todos julgamos conhecer. 
Por ser um livro que nos conduz a viagens intermináveis e sempre em círculo, nunca terminaremos de o ler, porque quer comecemos a sua leitura pelo início, quer pelo final, encontramo-nos sempre em dimensões equidistantes. Da origem até à origem, o azul Celeste é o nosso ponto de encontro. 
Pensemos então neste livro como um encontro de almas.

Aqui em baixo, a terra recompõe-se de tal ajuntamento de almas, por quanto se assumir a mãe, cuja energia tudo cria. Ao criar vida, a mesma desenrola-se em cenários desiguais, mas prontos para encenações diversas onde Celeste Almeida cria e recria encenações poéticas, à roda de uma conjuntura reafirmando ainda mais o seu nome. 

“Pedaços de Terra”, o segundo capítulo, onde a autora cava agora cada pedaço de chão, por entre raízes de um passado que se faz presente nas nossas mãos, é a verdade enraizada que nascerá de novo nos nossos corpos. 

Este é um momento que nos pertence por inteiro, quando nos sentimos através do mais elevado Ser que há em nós. No encontro com o terceiro capítulo “Pedaços de Vida”, agora sofridos, mas realizados e conformados com a própria vida que nos dá a sensibilidade, a perceção, a consciência, também a inconsciência, enfim, um paralelismo entre a razão e a emoção. 
Um misto de contradições, projetando no outro, o que às custas de muito esforço não queremos ver em nós. Por isso, se criam imagens, e nelas se depositam os nossos sentimentos mais profundos, forçando-as a percorrer distâncias entre versos, poemas, e prosas. Deste modo, nasce o cântico eterno através de um só poema, e nasce também o Poeta, inconformado, mas resgatado do ventre fecundo… lá do centro da terra.
Com efeito, revemo-nos num Verso que se quer sentido, por tão dorida a sua criação. 

Será esta a forma de nos dizermos sem nos afirmarmos, por quanto a ausência do Ser residual em nós, por fazemos do espelho um aliado contra o tempo, uma figura, um objeto, ou tão só uma força abraçando outras forças? 

A poesia é a escrita por excelência, dizem. Por isso, força-nos a entrar em mundos distintos mas paralelos, e às vezes até, egocêntricos. Cada qual com a sua forma única, a qual pervertida ou não, travestida será, sempre que nos fixarmos num único ponto que nos leve a ser várias pessoas em uma só, ou uma só entre muitas as pessoas que a nosso lado fazem esta caminhada. 
Este é o momento digno de registo, aquele em que o leitor, consciente ou não, se transforma ao entrar num mundo, desfrutando de vários mundos internos, cada qual com o seu modo de ser. A forma mais exata de vários mundos se tocarem, através das palavras, e dos sentimentos que elas contém. 
Nasceram pedaços de vidas, os quais farão a nossa história. Entre outros “Pedaços de Histórias”, renascemos em cada letra, e ei-lo que chega finalmente, breve e límpido como as correntes do Paiva - o quarto capítulo.

 Reunidos os Poemas, unidas as forças, a corrente é puro manifesto, afeição de si para si, exaltando o ser que há em cada um.  Entrego-me assim neste conjunto vasto, onde a poesia acontece em cada palavra, em cada verso, e me leva a viajar pelos mundos do poeta, neste caso da poetisa, ou tão só o mundo onde o Poeta ou Poetisa se espreguiça e se deixa levar na corrente agora nascida no seu corpo. 
A poesia é o seu berço de ouro, onde da Origem nasce o Poema. O Verso, um renascer constante do autor, do seu Ser. A sua alma vibra em si. 

O Verbo, o princípio de todos os fins, está também gravado em mim.  

Enquanto o círculo se fecha, novas movimentações da alma estão prestes a acontecer. Quando se pensa completa a viagem, dá-se conta de mais um capítulo, evidências que nos fazem direcionar o olhar para um ponto ao sentirmo-nos fragmentos de um todo, em direção ao Divino como simples “Pedaços Invisíveis do Ser”. 
Corações elevados ao Alto, em comunhão com o Universo, que completa este livro de Celeste Almeida. Estamos então no quinto e último capítulo, que como não podia deixar de ser, é um Ser invisível nos traços etéreos de um céu muito próximo. 
Estaremos então perante o quinto elemento?

Assim, e virando folha a folha deste livro, o leitor se comprometerá, não com um livro folheado, mas com várias partículas reunidas num conjunto de vários mundos, abrindo e fechando portas, até chegar ao seu términus para depois poder dizer:
“aqui eu também estou, sou, fui e serei um novo mundo a criar”. 
A sua autora fez acontecer a magia, o sonho e a luz. A Mulher que manipulou os elementos como só a poesia o sabe fazer nestas terras altas, mesmo ali às portas do céu. O livro apresenta-se tal como a vida lá “da Origem”- Uno. 
O céu, a terra, a vida, a história de vida e por fim, a sublime existência, contemplando-se na entrega à sua nova viagem, ao encontro da magnificência que há em cada Verso, que faz acontecer o Verbo. 

Da raiz, até à raiz criou-se uma figura geométrica. Em cada ponto abre-se um novo caminho, encontra-se uma nova porta dando origem a vários trajetos em direção ao Sagrado que existe em cada fio de água ainda a encher as pias de água benta nas igrejas.

Por isso, abrindo a primeira porta, deparo-me com a imensa arquitectura que faz deste livro um mundo multifacetado, mas com várias nuances, onde o sentimento dá lugar a sentires dispersos, mas alimentando a sede de mudança, num amor que nunca termine. Estamos perante um conjunto de variáveis associadas ao traço geométrico que sempre nos “persegue”.

As variáveis são muitas, e as palavras que se dispuseram na composição dos poemas e prosas, são-no em verso ou reverso, ou então em sentido inverso, mas sempre dignas de uma leitura atenta: 
umas vezes soltas, outras unidas em prol de uma satisfação plena, por sabermos que há vida em todos os livros folheados com sentimento, no encontro com o nosso semelhante. 
Nem mesmo a morte separará os mundos onde nos edificamos enquanto pessoas a viver em prol de um sentimento maior- o Amor de sempre e para sempre. 
Morrer em amor, o ato mais digno que se pode presenciar em sossego. 

Após a leitura de, “As Nossas Raízes, o Passado e o Presente”, da Poetisa Celeste Almeida, parti de imediato para uma análise que não me focasse em pormenores, em lugares comuns, e até me desliguei dos rostos nele impressos. 
 E que belos rostos de um passado de raízes imaculadas ele contem! 
Também eu me sinto honrada, por fazer parte deste livro, através da minha avó Lívia Ferreira, que já não está entre nós. Mas a minha tia, Glória Ferreira, que vive ainda com 95 anos está muita agradecida, por se ver representada neste livro. 

Como ia dizendo, desliguei-me dos lugares comuns, e preferi então levar-vos por outros caminhos onde o pensar coabita com um sentir profundo, tal como sentimos a longevidade das raízes que nos firmam no mesmo chão. Tudo isso: pormenores, lugares, e tal como as palavras, os rostos e os olhares impressos em papel, deixo-os à mercê da vossa atenção e leitura, a qual recomendo. 

Tudo o que aqui vos trouxe, é fruto de um caminho que minha alma percorreu em cada traço do verso, e em cada momento do Verbo. Somos todos a Alma de um Povo que insiste em se fazer presente a cada nortada forte que desça lá do alto da serra. 

Antes de terminar, gostaria então de exemplificar a minha viagem por este livro de Celeste Almeida. Um livro com vida dentro dele. Não só a vida das gentes do Montemuro, mas da Vida na verdadeira ascensão da palavra. Por isso proponho um exercício mental, para o que vou exemplificar através de uma figura geométrica, o caminho que escolhi para vos falar sobre ele.
Disse-vos no início que este livro nos conduz a viagens intermináveis e sempre em círculo. Disse-vos que nunca terminaremos de o ler, e que da origem até à origem, o azul Celeste é o nosso ponto de encontro. 

Observem então um circulo. Este é o Livro de Celeste Almeida. 

No topo - O Céu – o 1º  capítulo
Na base – A Terra  - o 2º capítulo
Do lado esquerdo – a Vida o 3º capítulo
Do lado direito – Histórias – O 4º Capítulo
E por fim o centro, o nosso centro. O ser que existe em cada um de nós.  E se pensarmos que neste nada estamos com Deus, Deus poderá ser também o nosso centro. Então o centro - o 5º Capítulo.


Prestes a terminar o que minha alma me ditou para vos dizer algo sobre o livro, lembrei-me de um verso que li num poema de uma amiga poetisa, cujo nome não é importante revelar aqui e agora.

“…Calem-se por favor enquanto morro, 
que pretendo-o em sossego continuado…”


Muito obrigada pela atenção que me dispensaram, e por me terem acompanhado nesta viagem, tendo como ponto de partida o meu sentir, enquanto caminhava entre “As Nossas Raízes, o Passado e o Presente”  da nossa querida amiga Celeste Almeida.


quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Ecos



Elevem-se como se fossem donos do meu pensamento
enquanto me arrasto num compasso indeterminado
mas não me culpem de um eco disfarçado

A morte é como a vida
que não crê no fim, sem um recomeço
mesmo que seja um caminho fadado

Silenciem então as vozes 
que os ecos já seguiram serra abaixo
e calem-se por favor enquanto morro, 
que pretendo-o em sossego continuado


Dakini, (pseudónimo de Dolores Marques)





Energia da serra

Sempre que o vento chega, arrasta atrás de si zumbidos estranhos, sons dispersos de uma confraria denominada de “Romaria das Portas", que se prestava a manipular a energia da serra, tal como o fazia com as gentes simples, que por não terem como se defender da sua força, rezavam, sempre que o vento as visitava.
Ainda hoje se usa e abusa desta energia proveniente lá dos confins da serra, onde não há vento, nem chuva, nem alma da terra que lhe valha.

É a hora de te colocares de pé