sexta-feira, 30 de setembro de 2016

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Opinião de um leitor ao livro "Simbioses Montemuranas"

Filipe Campos Melo escreveu:

Sobre o teu livro, que acabei de ler, e como prometido, umas breves notas:

Entrei na leitura sem ideias pré-concebidas, excepto a noção de que gosto sempre de te ler.
Ainda assim, o registo do livro surpreendeu-me.
É sempre difícil de catalogar um texto (pois todos os padrões são imperfeitos), mas talvez dissesse que é um registo histórico (simultaneamente biográfico - tu, tua família e suas inserções no local – e documental – a terra, a cultura, as “estórias”).
Mesmo sabendo das tuas diversas incursões escritas anteriores (e de seus diversos registos - poesia, reflexões, etc), não estava á espera do que fui encontrar (culpa minha) e, por isso, num primeiro momento estranhei o registo.
Depois, leitura adentro, tudo começou a fazer sentido, em especial quando integrado este livro com o “Uivam os Lobos” que é talvez – um pouco – a versão poética deste teu livro.
Talvez escrevê-lo tinha sido uma necessidade (tua).
Como livro histórico e documental está interessante e conseguido.
Descreves e exploras a cultura e hábitos de uma determinada região, aqui e ali romanceando (como é o caso da história do “João Fernandes” que atravessa todo o livro), aqui e ali com um registo muito íntimo e biográfico (tuas impressões e sensações, que não resistes a “poemar” – e ainda bem).
Nota-se um evidente e meritório esforço de investigação e documentação da tua parte (percebe-se que recolheste testemunhos e revisitaste locais).
Nota-se também a tua especial sensibilidade, quer em alguns textos específicos, quer no tom do
minante (sensibilidade que sempre expressas, de forma particular, na tua poesia).
Tive pena que não explorasses mais a perspectiva da Avó que aguarda o regresso do marido emigrado há muito tempo (seus medos, esperanças e expectativas). Acho que dava, por si só, um belo conto.
Presumo que a estruturação da “narrativa” não tenha sido fácil dada a pluralidade de aspectos que, se percebe, quiseste integrar (a escolha das “estações do ano”, como forma de divisão do texto, foi uma boa solução).
Ainda assim, às vezes, como leitor, senti que me perdia um pouco nessa estruturação (também não sei quanto tempo demoraste a compor o texto - suponho largos meses), mas compreendo que a emoção e vertigem das múltiplas ideias que quiseste incorporar fosse uma limitação.
A revisão e edição gráfica do texto também não me pareceu absolutamente perfeita (problema recorrente destas “editoras”, que nunca ajudam).
Mas, em geral, o texto lê-se bem e de forma agradável.

Em conclusão, estás de parabéns por mais esta tua incursão, tens uma escrita que é sempre cativante.
Tenho a certeza, para quem vive na região, o livro é muito especial.
E que, também para ti, este livro é marcante e essencial, pois é um texto que se sente muito visceral, autêntico e íntimo.
Eu gostei de ler, gosto sempre de encontrar tua escrita.

Filipe Campos Melo

Uma opinião sobre o lIvro "Simbioses Montemuranas"

As opiniões sobre o que escrevemos, de pessoas que admiramos. são sempre um afago na nossa alma, além de nos ajudarem a melhorar.
Mais um leitor, ao livro “Simbioses Montemuranas” de Dolores Marques.

Alberto Moreira Ferreira, Poeta.

Fiquei de dar-te a minha opinião sobre o teu livro e, pronto... já o li. Primeiro, e entre aspas, devo dizer-te que já não pegava num livro para ler há algum tempo. Por isso até estou meio admirado comigo, meio, meio chega!

Adorei ler "Simbioses Montemuranas". Durante a leitura fui muitas vezes assaltado por imagens saídas das palavras que me remetem para o período do meu crescimento, que também se deu num lugar de gentes do campo, onde o mato, as terras de cultivo e baldios eram paisagens constantes. Foi a que tivemos durante muitos anos naquele lugar, hoje bastante mudado, quase irreconhecível. 
Dei particular atenção à história do João Ladrão, um “ladrão” que a vida fez com algum carácter. Naquele tempo ainda tinham algum carácter, é verdade! Achei curioso porque ele roubava sobretudo a quem tinha, e além de ajudar um ou outro lá da terra, também não retirava aos que de alguma forma o ajudavam. 

Naquela altura, e mesmo hoje em dia, a vida pode ser muito mas muito dura. Pois... por vezes o berço também não ajuda... enfim.

Adorei rever palavras da época, ainda utilizadas nalguns locais, digamos rurais, como almude... o meu avô pedia sempre um quartilho de tinto. rs. O livro tem uma linguagem fluente, penso que bem conseguida, fluente, algo poética e agradável, bem ao estilo da minha amiga.
Este livro deu-me também a conhecer um pouco mais de ti. Tem fotos maravilhosas. Eu que sou uma pessoa de outra geração, criada entre o campo e a cidade, meio metropolitano, tenho uma admiração por imagens daquelas épocas. 
Depois, há algo de misterioso naquelas terras... portuguesas.
Sabes que eu critico muito o meu país mas amo-o. Enfim, continuamos a ter um país sem cabeça, e ainda por cima tem um coração que o f….desculpa.
Quero dar-te os parabéns esperando que nos contemples com mais obras, mais livros... ah... quase me esquecia dos poemas que o “Simbioses Montemuranas” tem, maravilhosos. 
Obrigado Dolores.
Um abraço
Alberto Moreira Ferreira

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Sobre Simbioses Montemuranas, o Livro

Sobre o teu livro, que acabei de ler, e como prometido, umas breves notas:

Entrei na leitura sem ideias pré-concebidas, excepto a noção de que gosto sempre de te ler.
Ainda assim, o registo do livro surpreendeu-me.
É sempre difícil de catalogar um texto (pois todos os padrões são imperfeitos), mas talvez dissesse que é um registo histórico (simultaneamente biográfico - tu, tua família e suas inserções no local – e documental – a terra, a cultura, as “estórias”).
Mesmo sabendo das tuas diversas incursões escritas anteriores (e de seus diversos registos - poesia, reflexões, etc), não estava á espera do que fui encontrar (culpa minha) e, por isso, num primeiro momento estranhei o registo.
Depois, leitura adentro, tudo começou a fazer sentido, em especial quando integrado este livro com o “Uivam os Lobos” que é talvez – um pouco – a versão poética deste teu livro.
Talvez escrevê-lo tinha sido uma necessidade (tua).
Como livro histórico e documental está interessante e conseguido.
Descreves e exploras a cultura e hábitos de uma determinada região, aqui e ali romanceando (como é o caso da história do “João Fernandes” que atravessa todo o livro), aqui e ali com um registo muito íntimo e biográfico (tuas impressões e sensações, que não resistes a “poemar” – e ainda bem).
Nota-se um evidente e meritório esforço de investigação e documentação da tua parte (percebe-se que recolheste testemunhos e revisitaste locais).
Nota-se também a tua especial sensibilidade, quer em alguns textos específicos, quer no tom do
minante (sensibilidade que sempre expressas, de forma particular, na tua poesia).
Tive pena que não explorasses mais a perspectiva da Avó que aguarda o regresso do marido emigrado há muito tempo (seus medos, esperanças e expectativas). Acho que dava, por si só, um belo conto.
Presumo que a estruturação da “narrativa” não tenha sido fácil dada a pluralidade de aspectos que, se percebe, quiseste integrar (a escolha das “estações do ano”, como forma de divisão do texto, foi uma boa solução).
Ainda assim, às vezes, como leitor, senti que me perdia um pouco nessa estruturação (também não sei quanto tempo demoraste a compor o texto - suponho largos meses), mas compreendo que a emoção e vertigem das múltiplas ideias que quiseste incorporar fosse uma limitação.
A revisão e edição gráfica do texto também não me pareceu absolutamente perfeita (problema recorrente destas “editoras”, que nunca ajudam).
Mas, em geral, o texto lê-se bem e de forma agradável.

Em conclusão, estás de parabéns por mais esta tua incursão, tens uma escrita que é sempre cativante.
Tenho a certeza, para quem vive na região, o livro é muito especial.
E que, também para ti, este livro é marcante e essencial, pois é um texto que se sente muito visceral, autêntico e íntimo.
Eu gostei de ler, gosto sempre de encontrar tua escrita.

Filipe Campos Melo

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Uivam os Lobos



Havia lamurias em surdos
que pareciam vento nas levadas

Havia silêncios no entardecer
que brincavam às escondidas
nos arvoredos...

......

Do Livro "UIVAM OS LOBOS" 
de Dakini, pseudónimo de Dolores Marques

Ciclos


Abra-se Setembro ao novo ciclo que se aproxima
Abra-se a terra para receber novas fragrâncias
Abram-se as gentes:
- ao novo caminhar das águas,
- aos novos rumos dos ventos,
- às novas fragrâncias do Inverno
Sinta-se no corpo, o aconchego da nova energia...quente... a ultimar os sentidos mais profundos do Ser – esse lugar afrodisíaco que renova a fonte de prazer, até que chegue de novo a Primavera, e, com ela tudo o que a terra fecundou e afundou.

DM

Extraviados

Lembro do tempo em que parti
as ausências e as presenças 
as semelhanças dos rostos 
mediáticos
os farrapos vestindo a magreza 
ainda acesa
todos os Invernos do chão 
que eu pisava

(Magros os gestos no amanho 
da imensa e colorida terra firme
acusada de desleixo pelo abandono 
dos seus antepassados)

Estranha forma que a sustenta
alma errante num espaço inócuo
a fome alimentava-se do seu corpo
etéreo círculo consumido pelo fogo

São braços que se erguem
em nome de ideais esquecidos
mas lembrados por todos 
os entes queridos que tombaram 
no mesmo espaço, desertores 
na copa de uma árvore a fitar o céu 
e arranham o ar com os galhos já secos

DM

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

De igual para igual


De igual para igual tudo se completa.
- como é fantástica a sombra, o reflexo, a virgem imaculada.
De igual para igual, tudo se organiza em prol de um objectivo comum.
- como é evidente, a áurea que envolve as multidões em movimentos abertos, enfrentando os seus próprios medos.
De igual para igual nem tudo é igualmente sereno.
- como é desigual....a volta que dão em torno de um pequeno astro, acabado de chegar à terra.
De igual para igual, nem sempre se pensa, nem sempre se sente, nem sempre se É o Todo.
DM




Moção

Em Moção... os tons pictóricos do tempo

Portais

Em Moção...abraços de sempre e para sempre

Rio Paiva


Rio Paiva

Como se o mar não existisse...
e somente a doce sublimação espelhada nas águas

Correntes

Quando todas as correntes se fundirem, deixaremos de precisar uns dos outros. Não permitiremos que nos usem, como manta de retalhos sobrepostos.
Seremos a força de uma nova corrente, onde não existem margens ressequidas, onde tudo seguirá a ordem natural de todas as coisas nascidas de um único ventre.
Assumidos os elementos na sua trajectória.
Não mais seremos seguidores de nada nem de alguém, mas mentores da nova ordem implantada. Tudo será límpido e transparente no universo dos sentidos.

ÔNIX/Dolores Marques
Foto no Rio Paiva

sábado, 30 de julho de 2016

Amanhecemos

Perto do ponto mais alto
onde só o vento conhece 
a solidez do tempo….
que enche os espaços fechados

Ali no centro do poema
que se agita acima das águas
quando por força de um elemento
a terra lhe treme debaixo dos pés

Não sei até que ponto 
as asas batem livremente
pois se todo o arvoredo 
se despiu do verde da folhagem

Não sei das rimas cruzadas
nos muros xistosos
não vejo os musgos nas eras 
do tempo verde-água

As mãos oprimidas 
por cima dos olhos
buscam novos versos
nas sombras

Porque a noite quase sempre
nos devolve 
os sons das vozes caladas 
dentro de nós...

Amanhecemos !

DM

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Soube de um amor incerto


Trazia comigo o mar
mas nunca a ondulação 
se fez ao meu corpo
de modo a senti-lo 
por perto

Conhecia a força
do vento do Norte
mas nunca cavei fundo
o espaço vazio do templo

Soube de um amor incerto
no caminhar do rio
do arroubo de uma miragem
nos seixos a descoberto

Conhecia o andar do tempo
nas sombras dos montes
nas linhas cheias dos morros
e no minguar das águas

Perseguido é o voo
arrojado das águias
quando com ele falo
como se comigo falasse
volvendo à terra 
um manto agreste

Tais sementes perdidas
nos sulcos ainda secos
onde o vento cumpre 
a promessa
de rasgar com o passado

Dolores Marques

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Apresentação do livro "Simbioses Montemuranas" por Ana Coelho

O romancista não escreve para explicar nada, mas para registar um conjunto de experiências reais ou imaginárias, cujo sentido ele só apreende como forma estética, não como conceito explicativo. Daí o sentimento de descoberta, e ao mesmo tempo de perplexidade, que nos assalta a
o lermos um bom romance. Ele nos mostra algo de muito importante, mas qu
e não sabemos precisamente o que seja. Por isso é que ninguém pode dizer qual “o” sentido de um romance. Ele tem necessariamente muitos, e até contraditórios.
Um romance deve dar o que pensar, não um pensamento pronto.
E a poesia, é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos ou críticos, ou seja, ela retrata algo em que tudo pode acontecer dependendo da imaginação do autor como a do leitor. 
Simbioses Montemuranas é um romance poético porque nele viajamos pelos lugares e povos de uma forma tão intensa e natural que nos sentimos no meio ambiente que a Autora Dolores Marques nos retrata, sem deixar de ser a Poeta que nos deixa os seus poemas e a abertura para o nosso sentido das coisas e da vida. Com mestria Dolores Marques entrega-nos a nós leitores um 2 em 1…uma romancista e uma Poeta que une estes dois conceitos de forma natural e grandiosa. 
Um foco muito marcante desta obra é a Mulher _ Mãe a quem ela dedica o livro_ o pilar da família, matriarca e trabalhadora de sol a sol, sem descorar a descriminação sexista, numa só frase isso é notório, página 17 “Dariam nova vida à aliança, que fez ter dono e senhor de todos os seus pensamentos” …mulher fiel anos a fio numa espera de esperança pelo homem que emigrou e não mais voltou. 
Encontramos em toda a narrativa um enquadramento histórico e paisagístico muito bem conseguido. 
Dolores Marques nesta obra viaja pelo tempo como ela mesma nos diz na página 60 “Tento encontrar um ponto encontro com o passado”.
Abre-nos o olhar para o meio rural no passado, não muito distante e talvez mesmo, bem perto ainda da realidade, neste espaço geográfico. 
Desperta-nos para a realidade da infância desse tempo, o ensino não era obrigatório, e visto pelas famílias e crianças de uma forma bem distinta da nossa visão de hoje.
As crianças começavam muito cedo a colaborar nos trabalhos rurais e da família. À primeira vista pode parecer uma situação negativa, não obstante dava à infância uma responsabilidade real da vida também uma visão mais livre de tudo o que os rodeava.
Voltando à inquietude do regresso ao passado Dolores Marques oferece-nos como personagem principal João Fernandes um homem diferente, numa vida diferente daquilo a que chamamos comum, um destino escolhido ou acolhido que este homem se orgulha, sendo do povo e vivendo à margem da sociedade, é um homem culto que busca o conhecimento, no entanto, não procura o luxo…vive livre com o seu fiel amigo Piloto…que bom é ter um fiel amigo e partilhar o que de melhor temos!
Abro aqui um parênteses na obra e volto ao meu pensamento enquanto leitora: Dolores procura a história de um homem não sendo um homem qualquer, não é um herói nem um burguês?…muitos autores escolhem personagens notáveis das suas gentes para romancearem e ou fazerem um livro que desperta logo a atenção de todos …a própria história assim o faz também, sabemos muito pelos registos de livros antigos sobre os nobres, quase nada ou mesmo nada do povo. Dolores Marques quer dar a conhecer os homens da Terra, a Terra que lhe corre no sangue, a Terra que não deixa de respirar…escrever sobre anónimos e humildes um ato de coragem e de poesia, a poesia é a vida real do povo autêntico…aquele povo que trabalha e tem calos nas mãos…rugas nos rostos que são imagens fotográficas nesta obra e  na memórias da autora.
Além da personagem João Fernandes ou melhor João Ladrão como ficou conhecido, Dolores Marques não deixa de nos mostrar muitos outros homens e mulheres de verdadeiro talento na vida e com vida…humildes, anónimos…que para ela são heróis…ela que passou do campo para a cidade e nos mostra numa autobiografia que vamos descobrindo discretamente ao longo da narrativa e como ela já nos testemunhou aqui na nossa conversa aberta para lá da obra, notório é que Dolores Marques não deixou de Ser Povo de sentir o pulsar da Terra… e de querer sempre e mais, aprender do povo, com o povo e não só em leituras ou pesquisas virtuais…Ela caminha pelos trilhos montanhosos para os relembrar e os sentir no seu mais intimo ser Vivo…
Muito interessante também é a forma como nos vai dando a conhecer o povo e os ditados populares…enriquecedor enquanto narrativa para os leitores. 
Já fiz referência a Dolores Marques como romancista e poeta mas temos mais nesta obra; temos um ser espiritual que questiona a vida e fala de Amor: pagina 93 “Só o Amor nos enche as medidas, e, rogamos então por mais luz a iluminar os nossos dias. Vivemos mediante um querer tudo só para nós mas, e os outros? “
A mulher da cidade com o sangue da terra; a mulher da terra e da cidade que não esquece o Universo e a travessia de Ser Humano, dela e dos Outros…
E fecho esta apresentação da Obra Simbioses Montemuranas lendo o fecho da própria obra porque ao refletir para esta apresentação e após várias leituras da obra, a minha vontade era a de vos contar toda a história ou histórias que me ficaram retidas no olhar, mas não o posso fazer, para não vos tirar o prazer da descoberta…certa que terão momentos sublimes de reflexão e vivências na leitura deste Livro.

"Cicatrizam-se as formas ausentes do mundo, que se completam em círculos fechados. Caminhantes, somos todos em caminhos vários, dando movimento ao mundo das formas. Geometricamente falando, somos todos Um, mas nem todos sabemos, a ordem com que se inicia o movimento indicador de uma nova ordem – A Ordem do Movimento Intercalado das Formas. Andamos em movimentos contrários, a dar cor e luz à vontade de sermos somente um movimento nascente, que cresce à vontade por dentro dos nossos olhos. 
Quando se dá o encontro do céu com a terra, a vida é um renascimento constante de emoções. À flor da pele nascem novos caminhos de luz, mas também novas viagens coladas à memória dos tempos vividos na aridez da serra.  
A energia feminina e a masculina: juntas numa dança celestial. A vida dotada de calor humano, ao divagar por entre as várias histórias que a mesma contém. Aqui a fé anda de braço dado com a dor, mas é ela, a forma mais carismática de alcançar a própria fé com palavras mansas, de um coração elevado ao alto".

Parabéns Dolores e grata por me dares a conhecer mais esta obra…que me deixou; sem dúvida mais rica literariamente falando e como ser humano… Um livro com consistência e essência!

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Simbioses Montemuranas o próximo livro de Dolores Marques

Apontamentos

“Neste seu livro, Dolores Marques vai rebuscar memórias da sua infância de que foi testemunha em plena serra do Montemuro e que vão no mesmo sentido de obras  de autores consagrados como Aquilino e Torga!

 Dolores Marques convida-nos a recuar no tempo e acompanhá-la numa incursão pela serra do Montemuro para nos relatar (contar) histórias de vidas humanas sofredoras e primitivas e que souberam adaptar-se àqueles ambientes naturais e de montanha!... Uma obra que faz parte do país real!”

(Augusto Silva, natural de terras de Paiva (Douro), residente em Ovar)

…/…

“Tantos adjetivos carregados de sentimento dão uma força grandiosa ao que escreves. Nem sei...pensando bem, tens um estilo genuíno neste livro! Não é um romance, não é um conto, não é um documentário nem um livro "para se adormecer"!

É sem dúvida, uma obra biográfica com muito, muito autobiográfico. Eu diria, que é sobretudo um precioso documento histórico por tudo o que escreves. Não é uma escrita técnica, nem uma escrita sociológica, trata-se duma mistura (alinhada) de costumes, acontecimentos, factos e modos de vida de um povo impar, que tu descreves na perfeição”.

(Jorge Esteves, natural de Ribas, Castro Daire,  Emigrante)

…/…


“Criaste um singular Planeta, ao qual chamaste "Planeta Moção". Na tua alma encontraste  a força que  fez girar o movimento de rotação  em torno de um eixo, viajando pelos hemisférios. Povoaste e  provaste-os com a essência  do povo montemurano.  Enlaçaste culturas, percorrendo  com  fios de um infinito novelo, sentires do chão do concelho de Castro Daire, Lisboa e até do outro lado do Oceano, o Brasil.
Por terra ou por mar, foram estes os principais pontos de chegada, alguns sem direito à partida,  nem ao  reencontro dos mesmos corpos e das mesmas paixões. Vidas cruzadas  e descruzadas pelo destino. Vidas fechadas na teia das celas, onde o esquecimento fazia de alguns seres, ignorados  e indesejados, vidas tecidas numa cruz, mais ou menos pesada, mais ou menos sangrenta, coroada de espinhos, numa perfeita simbiose que nos leva a emergir no fel de tempos sofridos e amargurados.
Interessante...este desenrolar das "contas de um rosário " e de seus mistérios! Cada personagem uma oração sofrida, cada personagem uma prece. O seu todo formam um terço, que ao serão tem que ser passado e repassado, mesmo que o aroma das urzes, das giestas…seja o incenso infiltrado nas folhas! Um livro que põe a nu retalhos de vidas montemuranas. Uma simbiose que se enlaça com emoção”.

(Celeste Almeida, natural de Mangualde, a viver em Ribolhos, Castro Daire)

terça-feira, 1 de março de 2016

As Nossas Raízes o Passado e o Presente

 A minha nova apresentação do livro de Celeste Almeida apresentado em Lisboa, 28/02/2016

Um livro com um título que me chama. Diz-me coisas, muitas coisas que eu conheço. Foi a minha realidade. É a minha terra. É a minha gente.
A capa só por si também chama por todos nós. Os que conhecem a vida das gentes do Montemuro e aos que não conhecendo, dir-lhes-á muito.
Uma bela mulher, neste caso a autora, com um traje representativo do século XIX. Um traje que as mulheres vestiam para irem à missa ou às festas e romarias. Portanto, domingueiro ou de romaria. Depois, um prefácio escrito por uma grande senhora da escrita, natural de Castro Daire, e, tal como a autora, Professora, Escritora, Poetisa. Aurora Simões de Matos. Portanto, logo para começar tem muito para despertar a nossa curiosidade.

Voltando ao título. Só por si, pode levar-nos a várias ilações.

Num passado não muito distante, eu própria na minha aldeia em Moção, carreguei com muitos molhos de erva, muitos sacos de pinhas apanhadas no monte, muito reguei, muito caminhei por aqueles caminhos íngremes para levar manhã cedo, os animais para os campos, ainda o sol demorava para chegar. As crianças trabalham duro, obviamente dentro das suas possibilidades.  Mas os adultos, e então as mulheres…imaginem. Minha avó cuja foto consta deste livro  trabalhou muito, quando ficou privada da força dos braços de meu avô por ter emigrado para o Brasil: Por lá ficou. Minha avó tinha a força de um homem a trabalhar as terras. 

Difíceis acessos aos terrenos, minifúndio entre socalcos, caminhos íngremes pelo meio dos montes com os molhos às costas, ou a conduzir os animais com carradas de milho, de feno, de mato cortado no monte…etc.
Insistindo no passado e deixando as raízes, porque estas continuam firmes na terra, esse passado foi de miséria, de muito trabalho e pobreza, a viverem subjugados por uma ditadura…enfim a que todos sabemos. Limitavam-se ao trabalho da terra, e pouco mais lhes era permitido. Não tinham acesso ao ensino. Muitas das pessoas não sabiam ler. Só lhes era permitido rezar. Isso sim.

Falo-vos do poder instituído. O poder do Estado Novo, o seu polvo a abraçar o país, limitando as gentes das aldeias do interior a uma parca existência. Dos vários tentáculos desse polvo, temos como exemplo a Igreja. A igreja que ainda há bem poucos anos influenciava-os no voto.

Depois, os grandes, os poderosos, que já vinham do tempo dos senhores feudais. Ainda hoje resistem ao tempo as grandes casas senhoriais. Minha mãe conta que trabalhou um dia inteiro numa dessas casas, almoçou um malga de caldo, e no final do dia deram-lhe uma cesta de diospiros. Não voltou lá. Um bem maior…a consciência plena da sua condição, a quererem saltar o muro que os encurralava.
Mas continuando a viajar pelo passado. Foi um tempo em que esse poder, além de os limitar castrava-lhes o pensamento. Eles curvavam-se a esse poder, da mesma forma que se curvavam para receber a hóstia nas igrejas. Curvavam-se, ao mesmo tempo que baixavam a cabeça em jeito de reverência a esse imenso poderio - o poder instituído, tal como o faziam em frente ao Padre. E os vários tentáculos do poder ali enraizado, insistiam na sua luta. Uma luta desigual.

Por isso, eu continuo ainda aqui a insistir no passado, focando-me no título deste livro de Celeste Almeida, e, pergunto-me muitas vezes se esse passado é mesmo passado.
Muitas coisas mudaram sim. Hoje já existe um sistema de saúde, já há luz eléctrica e outras coisas que melhoraram substancialmente (na opinião de muitos eles…pois).  Mas se o sistema de saúde não funciona nas grandes cidades, imaginem aqui nestes ermos, num isolamento profundo. Ainda hoje as pessoas para irem ao hospital mais próximo, em Viseu, perdem um dia de trabalho nas terras, além do pouco dinheiro em transportes e alimentação. E quanto à luz eléctrica. Eu estava lá, na minha aldeia, vi e ouvi. Não colocaram luz num caminho que dava acesso a uma casa, porque, segundo eles, não era habitada. Nem sei se já existe luz eléctrica naquele caminho. 

Portanto e porque este é um título que me chama, por quantos questionamentos, eu pergunto-lhe: Onde está o passado? Será que é mesmo assim tão passado. Entre o passado e o presente poucas são as diferenças. Existe um espaço por preencher. Um profundo vazio. Eu continuo a ver as mesmas coisas. As pessoas trabalham as terras quase da mesma forma, vivem do mesmo modo nas mesmas casas, continuam a carregar os molhos às costas pelos mesmos caminhos, mas agora com mais silvas e pedras. Sobretudo, continuam a curvar-se ao poder instituído. Sim porque PODER é PODER e só as pessoas se deslocam no espaço envolvente.

Depois desta abordagem ao título do livro, “As Nossas Raízes, o Passado e o Presente” entremos então pelo livro adentro. 
São cinco, os seus capítulos. 
Começando por “Pedaços  de Céu”. Na verdade, o céu é o que têm de mais valioso. É para lá que olham todos os dias, antes de dormirem, para saberem como irá apresentar-se o tempo para o dia seguinte. O céu que lhes devolve, o bom, ou o mau tempo. O céu, onde à noite esperam pelo nascer e o por da estrela para a viragem das águas. E acima de tudo, o céu onde está o início e o fim de tudo. Um infinito azul, onde escrevem dia após dia a sua fé. Um ponto que “não é um ponto qualquer”. Leia-se o poema “Aquele Ponto”, página 118.

Depois segue-se “Pedaços de Terra”. Aqui temos de novo as raízes fundas, revigoradas, renovadas com a fé com que todos os dias pela manhã se encontram quando olham o céu, e sabem que será um dia bom. Podem lavrar, regar, sachar, cortar carradas de mato, apanhar o milho, vindimar….etc. A sua sobrevivência depende da terra.

Segue-se o terceiro capítulo, “Pedaços de Vida”.  Aqui está ela, a vida. O destino que lhes coube. O serem vida, terra, e também, o céu. E aquele ponto une-os quase até à perfeição. A fé em semearem, para depois colherem, e também agradecerem a Deus por tudo o que lhes foi permitido num só dia.

Depois o quarto capítulo, “Pedaços de Histórias”. Pensemos então neste livro como um encontro de almas. As que lutam para sobreviver da terra, com a vida que ali criam, mas também as que vagueiam pelos caminhos, pelos montes no meio da escuridão.

As almas dos que se foram, mas que eles com a fé num além que desconhecem, se deixam guiar por elas. E por isso o rio Paiva é um lugar sagrado, uma grande pia de água benta. Ali, onde  alguns aprendem a nadar, e retiram parte do seu sustento. 
Porém, o rio, que com as suas correntes rápidas pode provocar muitas tragédias, como o caso da menina que levada pelas enxurradas foi encontrada morta. Leia-se o texto da página 65.”Ó rio devolve a minha filha”

Chegamos por fim ao último capítulo do livro. “Pedaços Invisíveis do Ser”. Um Ser que nos leva de novo ao Céu, e por conseguinte a Deus, mas não sem antes se provar o sabor às vezes amargo da vida, mas com tudo o que ela tem para oferecer. Alegria, tristeza, felicidade, infelicidade, o Amor, o desamor. A certeza evidente de sabermos que viemos aqui para dela desfrutar, e sermos nós em pleno com Deus. Mas mesmo que nos momentos de desespero eles nos pareçam um “nada” sabemos que neste “nada” nós estamos com Deus. Leia-se o poema “Neste Nada Estou Com Deus” da página 184.
Como repararam este livro é um ciclo de vida. CÉU/TERRA/VIDA HISTÓRIAS DE VIDA…e o SER…o Ser Invisível, também, e por conseguinte o supremo.

Gostaria de exemplificar o livro através de uma figura geométrica, utilizando para o efeito, um círculo. No fundo, foi o caminho que percorri, que me fez pensar neste livro como uma viagem, da origem até à origem. Ao imaginarem o círculo:

O topo, e logo após esse mesmo ponto: O céu, simbolizando o primeiro capítulo: “Pedaços de Céu”.  Um ponto na base representa a terra, o segundo capítulo: “Pedaços de Terra”. Um  ponto do lado esquerdo, a Vida, que corresponde ao terceiro capítulo: “Pedaços de Vida”. Um ponto do lado direito,  histórias de vida que nos leva ao quarto capítulo: “Pedaços de Histórias”.
Por fim o centro.  O nosso centro. O Ser que existe em cada um de nós. E se pensarmos que neste “nada”, estamos com Deus, Deus poderá ser também o nosso Centro. Então o Centro, o quinto capítulo deste livro: “Pedaços Invisíveis do Ser”

Vou terminar com uma citação de Miguel Torga:

“É preciso fazer um esforço contínuo para amar o presente. Viver pelo passado, pelo que se fez, pelo que se conseguiu, é o mesmo que alimentar uma fome premente com banquetes de outrora”

Dolores Marques




sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Xistos

Da mesma forma subia e descia a calçada! Do mesmo jeito olhava as pedras de xisto ali calcadas por todos os que fizeram daquele chão o seu habitat natural. Do mesmo modo fui ao passado rebuscar os gestos que moldaram a minha segurança no andar. É o único passado que forço neste cenário onde a infelicidade é rastro de indecência por novos caminhos. 
E neste agora, esse marco xistoso e enrugado faz-me feliz, neste momento em que escrevo e sinto as mãos presas por não saber como vos dizer da idade da inocência, sem deixar cair um choro quente e brando do meu olhar.



Mas foi um modo e um jeito de ser por forma a manter equilíbrio e ter mais firmeza nos actos. E eu andei tantas vezes descalça nestas pedras…molestei os pés, rasguei a pele dos vestidos nas silvas, comi a terra das raízes das pútegas, afundei a cabeça na terra das poças de água para aprender a nadar, e aprendi. 

A atitude no andar continua igual. Embrenhei-me por um silvado e comi amoras verdes e maduras. Enfim sou eu mesma agora com passos mais largos, mas pequenos ainda neste caminhar breve pelas pedras de xisto.

Dolores Marques

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Ao fundo de mim

Ao fundo de mim, há mais caminhos guardados, dos que me fazem  voltar à origem das coisas…. e saber  que amo porque me sinto, mais do que um espaço, mais do que o tempo, mais do que o amor que se sente por todas as coisas…enfim amo... como a mim mesma.

DM

Do livro "Prometo Voltar" de Jorge Ribas

Um romance com poesia dentro. A descoberta de um Poeta.
Do livro “Prometo Voltar” de Jorge Ribas
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“Neste leito despido de ti, tentei decifrar a saudade
mas adormeci e sonhei no teu colo sem respostas.
Ao acordar ela estava ali. Teimosa, invisível e sofredora,
sempre persistente, aumentando a sede de a não ter.

Não sinto falta de ti, sinto a tua falta.
Não sinto falta do Rio, sinto a falta da Paiva,
no feminino, para me refrescar o corpo,
húmido e exausto, para te voltar a ter.

Tenho sede de montanhas, também no feminino.
Aqui os montes são masculinos. Rijos, sérios e inabaláveis.
Eu quero montanhas de cumes em forma de seios,
meigos e generosos, para amamentar a minha saudade.

Saudade que não esmorece e me arrepia,
da terra que pisei, levemente para não doer.
Ela, claro, aquela que me suja as mãos de pureza tamanha
e me purifica em barrela límpida de recordações.

Os lugares que amo, aqueles que adormecem comigo,
o ventre da minha terra, o que moldou as rugas que amo.
O refúgio das minhas angústias, o lar dos meus pensamentos,
o meu ser, o meu guião, o repouso da minha alma.

Oh ternurento lar da minha dourada infância,
da minha imaculada família de cheiro a verdade.
Só tu és minha, de tantas terras infiéis.
Meu doce chão, eterna terra do meu ser e do meu sonhar.

Nada possuo, nada tenho, mas essa terra é minha.
As dos outros não são minhas, não me querem e não me esperam.
Não sou de nenhum lado, mas sinto uma força pródiga
de um lar que me chama e me perdoa pelo abandono.”

Autoria de:Jorge Ribas

Lado harmonioso das coisas

Não há como ficar indiferente à vivacidade de um olhar novo, numa nova era - a era dourada onde todos somos crianças. 
O olhar que vê, sente e diz claramente com objectividade o lado harmonioso das coisas, mesmo que a subjectividade o queira levar para outros lugares onde a realeza acontece. 
Ali existe a real verdade onde a poesia fala e respira a ordem natural de todas as coisas sublimes, de tudo o que é simples e belo, tal como o é, o olhar de uma criança quando ela própria nos diz:

- Desafio-te a me dizeres onde guardaste as palavras todas. Estão nesse baú de memórias que me descreveste num fim de tarde, quando me dizias que eram palavras, só palavras vazias de sentido?
- Desafio-te neste instante em que se quebram todas e se fazem em pedaços neste chão. Sabes de que é feito o seu corpo? De cristais e mais cristais coloridos onde se escondem os olhos todos.
- Desafio-te a contares-mas como contavas as pedrinhas coloridas do rio na concha da tua mão. Era um rio livre e sereno esse que te enchia os olhos de luzes e cores. Lembras?

Dakini , Pseudónimo de Dolores Marques

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Coração da terra - O Voo Dos Pássaros

Coração da Terra
O Voo dos Pássaros


Gostava de vos ter encontrado num daqueles mergulhos no rio, em que ficávamos ali a aguentar o ar até não podermos mais. Nunca conseguia saltar lá de um pinheiro alto, de onde saltavam os rapazes. Eu andava sempre com os meus dois irmãos, mas mais com o mais novo, e por isso, sempre fui muito dada às brincadeiras dos rapazes. Tentava sempre fazer o que eles faziam! Mas, lançar-me lá daquele pinheiro alto, nunca. Procurava uma altura razoável para a minha também fraca altura. Mas nos mergulhos era sempre a vencedora, a que aguentava mais tempo debaixo da água.

Adoro nadar e mergulhar nas profundezas daquele manto esverdeado, deixar de ser eu para passar a ser ele.
Mais tarde é que percebi a minha dificuldade em me lançar das alturas e forçar o meu corpo a cortar a corrente, que quase sempre me amaciava os sentidos. As vertigens! Estão agora cada vez mais acentuadas. Isso mesmo. Cheguei então finalmente ao cerne da questão. Vertigens! São elas também, ou o impedimento ou o regozijo de muitas quedas, e/ou saltos programados lá das alturas. O céu que me desculpe esta minha intrusão nos seus propósitos inadiáveis.
Na verdade, as alturas estão cada vez mais na moda, porém, nós, cada vez mais nos encolhemos perante essa sombra imensa que se arrasta pela calçada. O sol talvez seja o culpado desse fenómeno raro que nos permite ver-nos espalmados no chão, ou grafitados nos muros. Eu prefiro ir de encontro a ela quando me enfrenta nos muros. Pelo menos está mais em equilibro, mais de acordo com a minha posição erecta. Quando me deito, ela quase sempre se deita comigo. A noite é talvez a maior dádiva que a minha sombra pode receber.
Mas voltando às brincadeiras, lembro-me também das lutas. De Vila Seca até Moção, deve ser uma hora de caminho a pé, não? Havia várias brincadeiras que nos esperavam depois de sairmos da escola: ou saltávamos de um muro xistoso para uma terra que estivesse lavradinha de fresco, a ver quem atingia a maior dimensão no salto, ou então lutávamos.
A primeira opção, a do salto também não me era afeiçoada. Os saltos também me incomodam, principalmente se forem muito altos. Sou mulher sim, mas nunca me dei bem com saltos. Deve ser também por causa dos problemas na coluna, que quase sempre prefere a posição vertical. Um dia também experimentei andar em bicos de pés e espalmei o nariz no intervalo das pedras da calçada. Por isso o estilo mediano como sempre, que é o que me dá mais segurança no andar, para depois também me sentir mais segura quando me dispuser a levantar. Mas voltando às lutas. Sabem aquelas lutas, em que nos agarrávamos com força a tentar derrubar o adversário? Depois impedia-se que se mexesse do chão.

Imaginem que um dia o meu irmão mais velho apostou com os rapazes de que eu iria sair vencedora dumas dessas lutas. Escolheram então o meu adversário e deu-se início à luta. Eu, assustada mas entusiasmada com a confiança que ele depositou em mim, arranquei força não sei de onde e ganhei mesmo a luta. Depois de o derrubar, ainda o obriguei a comer pó. E até me apetecia dar-lhe uns safanões. Isto, visto agora a esta distância é assustador, se pensar que depois, ele por se tratar do “sexo forte”, dizem, podia muito bem dar-me ali uma lição. Mas se pensarmos que existe uma espécie dentro desse universo masculino que tenta sempre proteger o género feminino. Não! Penso que não. Ele ia defender-se e pronto. Dar-me o gosto de sair dali uma vencedora, com as armas intactas e sem uma beliscadura no corpo.


Só me custa não me lembrar quem era o rapaz. Ele devia ter a minha idade ou então mais velho, um ou dois anos, porque andava na escola com o meu irmão. No meu tempo os rapazes não se misturavam com as raparigas e havia a escola masculina e a feminina.
Também me lembro de andarmos a explorar casas velhas, algumas já sem soalho e com as traves grossas que o sustentavam, ainda intactas mas quase a apodrecer. Um dia decidiram eles atravessar uma dessas traves de uma ponta à outra. Eu lá fui atrás deles. Caí ao curral dos animais. Pois, mas…a casa era desabitada e por isso o curral estava vazio. Havia por lá só umas tábuas e uns pássaros que decidiram ali fazer ninho. Eu via-os em voos dispersos enquanto caia. Eu era ainda criança. Nem andava na escola. Recordo de que, enquanto caía, o meu vestido se transformava numa espécie de para-quedas. Sabem como é! Não lembro de me ter magoado. Parecia estar a cair em cima de uma nuvem de algodão, ou então deveu-se ao facto de trazer ainda o registo do voo dos pássaros. Interessante que nessa idade não me lembro de ter vertigens. Deve então ser por isso mesmo. O voo dos pássaros!
E era assim que me divertia, mas com mais brincadeiras de rapazes do que raparigas. Elas só queriam brincar às coisas de meninas. Durante muito tempo, eu própria via-me como uma “Maria rapaz”. Isto porque tenho "Maria" no nome, mas ninguém se lembra disso. 
Mais tarde, o feminino decidiu irromper de vez, e o baton fez o resto, até ao surgimento de uma nova voz. Sabem que ela chega sempre na hora certa.
Lembrei de vos contar estas coisas, porque foi também o que me apeteceu escrever para mim.


Eu Sou Dolores Marques, Coração da Terra