terça-feira, 1 de março de 2016

As Nossas Raízes o Passado e o Presente

 A minha nova apresentação do livro de Celeste Almeida apresentado em Lisboa, 28/02/2016

Um livro com um título que me chama. Diz-me coisas, muitas coisas que eu conheço. Foi a minha realidade. É a minha terra. É a minha gente.
A capa só por si também chama por todos nós. Os que conhecem a vida das gentes do Montemuro e aos que não conhecendo, dir-lhes-á muito.
Uma bela mulher, neste caso a autora, com um traje representativo do século XIX. Um traje que as mulheres vestiam para irem à missa ou às festas e romarias. Portanto, domingueiro ou de romaria. Depois, um prefácio escrito por uma grande senhora da escrita, natural de Castro Daire, e, tal como a autora, Professora, Escritora, Poetisa. Aurora Simões de Matos. Portanto, logo para começar tem muito para despertar a nossa curiosidade.

Voltando ao título. Só por si, pode levar-nos a várias ilações.

Num passado não muito distante, eu própria na minha aldeia em Moção, carreguei com muitos molhos de erva, muitos sacos de pinhas apanhadas no monte, muito reguei, muito caminhei por aqueles caminhos íngremes para levar manhã cedo, os animais para os campos, ainda o sol demorava para chegar. As crianças trabalham duro, obviamente dentro das suas possibilidades.  Mas os adultos, e então as mulheres…imaginem. Minha avó cuja foto consta deste livro  trabalhou muito, quando ficou privada da força dos braços de meu avô por ter emigrado para o Brasil: Por lá ficou. Minha avó tinha a força de um homem a trabalhar as terras. 

Difíceis acessos aos terrenos, minifúndio entre socalcos, caminhos íngremes pelo meio dos montes com os molhos às costas, ou a conduzir os animais com carradas de milho, de feno, de mato cortado no monte…etc.
Insistindo no passado e deixando as raízes, porque estas continuam firmes na terra, esse passado foi de miséria, de muito trabalho e pobreza, a viverem subjugados por uma ditadura…enfim a que todos sabemos. Limitavam-se ao trabalho da terra, e pouco mais lhes era permitido. Não tinham acesso ao ensino. Muitas das pessoas não sabiam ler. Só lhes era permitido rezar. Isso sim.

Falo-vos do poder instituído. O poder do Estado Novo, o seu polvo a abraçar o país, limitando as gentes das aldeias do interior a uma parca existência. Dos vários tentáculos desse polvo, temos como exemplo a Igreja. A igreja que ainda há bem poucos anos influenciava-os no voto.

Depois, os grandes, os poderosos, que já vinham do tempo dos senhores feudais. Ainda hoje resistem ao tempo as grandes casas senhoriais. Minha mãe conta que trabalhou um dia inteiro numa dessas casas, almoçou um malga de caldo, e no final do dia deram-lhe uma cesta de diospiros. Não voltou lá. Um bem maior…a consciência plena da sua condição, a quererem saltar o muro que os encurralava.
Mas continuando a viajar pelo passado. Foi um tempo em que esse poder, além de os limitar castrava-lhes o pensamento. Eles curvavam-se a esse poder, da mesma forma que se curvavam para receber a hóstia nas igrejas. Curvavam-se, ao mesmo tempo que baixavam a cabeça em jeito de reverência a esse imenso poderio - o poder instituído, tal como o faziam em frente ao Padre. E os vários tentáculos do poder ali enraizado, insistiam na sua luta. Uma luta desigual.

Por isso, eu continuo ainda aqui a insistir no passado, focando-me no título deste livro de Celeste Almeida, e, pergunto-me muitas vezes se esse passado é mesmo passado.
Muitas coisas mudaram sim. Hoje já existe um sistema de saúde, já há luz eléctrica e outras coisas que melhoraram substancialmente (na opinião de muitos eles…pois).  Mas se o sistema de saúde não funciona nas grandes cidades, imaginem aqui nestes ermos, num isolamento profundo. Ainda hoje as pessoas para irem ao hospital mais próximo, em Viseu, perdem um dia de trabalho nas terras, além do pouco dinheiro em transportes e alimentação. E quanto à luz eléctrica. Eu estava lá, na minha aldeia, vi e ouvi. Não colocaram luz num caminho que dava acesso a uma casa, porque, segundo eles, não era habitada. Nem sei se já existe luz eléctrica naquele caminho. 

Portanto e porque este é um título que me chama, por quantos questionamentos, eu pergunto-lhe: Onde está o passado? Será que é mesmo assim tão passado. Entre o passado e o presente poucas são as diferenças. Existe um espaço por preencher. Um profundo vazio. Eu continuo a ver as mesmas coisas. As pessoas trabalham as terras quase da mesma forma, vivem do mesmo modo nas mesmas casas, continuam a carregar os molhos às costas pelos mesmos caminhos, mas agora com mais silvas e pedras. Sobretudo, continuam a curvar-se ao poder instituído. Sim porque PODER é PODER e só as pessoas se deslocam no espaço envolvente.

Depois desta abordagem ao título do livro, “As Nossas Raízes, o Passado e o Presente” entremos então pelo livro adentro. 
São cinco, os seus capítulos. 
Começando por “Pedaços  de Céu”. Na verdade, o céu é o que têm de mais valioso. É para lá que olham todos os dias, antes de dormirem, para saberem como irá apresentar-se o tempo para o dia seguinte. O céu que lhes devolve, o bom, ou o mau tempo. O céu, onde à noite esperam pelo nascer e o por da estrela para a viragem das águas. E acima de tudo, o céu onde está o início e o fim de tudo. Um infinito azul, onde escrevem dia após dia a sua fé. Um ponto que “não é um ponto qualquer”. Leia-se o poema “Aquele Ponto”, página 118.

Depois segue-se “Pedaços de Terra”. Aqui temos de novo as raízes fundas, revigoradas, renovadas com a fé com que todos os dias pela manhã se encontram quando olham o céu, e sabem que será um dia bom. Podem lavrar, regar, sachar, cortar carradas de mato, apanhar o milho, vindimar….etc. A sua sobrevivência depende da terra.

Segue-se o terceiro capítulo, “Pedaços de Vida”.  Aqui está ela, a vida. O destino que lhes coube. O serem vida, terra, e também, o céu. E aquele ponto une-os quase até à perfeição. A fé em semearem, para depois colherem, e também agradecerem a Deus por tudo o que lhes foi permitido num só dia.

Depois o quarto capítulo, “Pedaços de Histórias”. Pensemos então neste livro como um encontro de almas. As que lutam para sobreviver da terra, com a vida que ali criam, mas também as que vagueiam pelos caminhos, pelos montes no meio da escuridão.

As almas dos que se foram, mas que eles com a fé num além que desconhecem, se deixam guiar por elas. E por isso o rio Paiva é um lugar sagrado, uma grande pia de água benta. Ali, onde  alguns aprendem a nadar, e retiram parte do seu sustento. 
Porém, o rio, que com as suas correntes rápidas pode provocar muitas tragédias, como o caso da menina que levada pelas enxurradas foi encontrada morta. Leia-se o texto da página 65.”Ó rio devolve a minha filha”

Chegamos por fim ao último capítulo do livro. “Pedaços Invisíveis do Ser”. Um Ser que nos leva de novo ao Céu, e por conseguinte a Deus, mas não sem antes se provar o sabor às vezes amargo da vida, mas com tudo o que ela tem para oferecer. Alegria, tristeza, felicidade, infelicidade, o Amor, o desamor. A certeza evidente de sabermos que viemos aqui para dela desfrutar, e sermos nós em pleno com Deus. Mas mesmo que nos momentos de desespero eles nos pareçam um “nada” sabemos que neste “nada” nós estamos com Deus. Leia-se o poema “Neste Nada Estou Com Deus” da página 184.
Como repararam este livro é um ciclo de vida. CÉU/TERRA/VIDA HISTÓRIAS DE VIDA…e o SER…o Ser Invisível, também, e por conseguinte o supremo.

Gostaria de exemplificar o livro através de uma figura geométrica, utilizando para o efeito, um círculo. No fundo, foi o caminho que percorri, que me fez pensar neste livro como uma viagem, da origem até à origem. Ao imaginarem o círculo:

O topo, e logo após esse mesmo ponto: O céu, simbolizando o primeiro capítulo: “Pedaços de Céu”.  Um ponto na base representa a terra, o segundo capítulo: “Pedaços de Terra”. Um  ponto do lado esquerdo, a Vida, que corresponde ao terceiro capítulo: “Pedaços de Vida”. Um ponto do lado direito,  histórias de vida que nos leva ao quarto capítulo: “Pedaços de Histórias”.
Por fim o centro.  O nosso centro. O Ser que existe em cada um de nós. E se pensarmos que neste “nada”, estamos com Deus, Deus poderá ser também o nosso Centro. Então o Centro, o quinto capítulo deste livro: “Pedaços Invisíveis do Ser”

Vou terminar com uma citação de Miguel Torga:

“É preciso fazer um esforço contínuo para amar o presente. Viver pelo passado, pelo que se fez, pelo que se conseguiu, é o mesmo que alimentar uma fome premente com banquetes de outrora”

Dolores Marques