segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Histórias....

Um fim de tarde, ou início da manhã. Todas as horas são horas para falar de tempos idos, de pessoas que deixaram as suas marcas nestes ermos distantes onde o vento faz eco, a chuva cai sobre os pinheiros, a terra ardente onde o sol se levanta e se põe sempre que nossos olhos se levantam à mesma hora. Este cheiro a terra, que nos lembra que ela é a nossa morada, aquela que nos acolheu. Homens e mulheres que, mesmo em idade avançada não deixam de pisar o chão que os viu nascer. Lembro da minha tia Carmo que fazia sempre gosto em ir pelos caminhos que mais acesso dão aos terrenos, em busca de um sol para o seu olhar. A terra agreste que a viu nascer e também morrer, era para ela a vida em plena comunhão com a natureza. Lembro de a ver parada a olhar o céu, e também o que está para além dele. Para ela, havia sempre um sol que nascia em cada florir de uma flor, em cada rebento de milho, em cada fruto a amadurecer, ou em cada rego de água que corre e se entranha nos torrões secos e agrestes destas terras da Beira Alta.

(Nas fotos apresentação do meu livro "Olhares em Castro Daire. Conta algumas passagens por estas terras, quando em criança eu....andava ao colo de alguns com quem partilho agora estes momentos)

Nesta calçada onde estamos agora nesta amena conversa, os ecos das nossas vozes ouvem-se até ao centro da aldeia. Os meus risos estridentes são timbres afinados bem ao gosto da terra. O meu primo Orando veio até à aldeia onde viveu tantos anos, os meu primos Abílio e José estão cá de férias como eu, os meus pais cá se vão ajeitando há alguns anos regressados à aldeia, após muitos anos em Lisboa. Ao meu pai José ninguém o tira daqui, é vê-lo deitar-se bem cedo e levantar-se ainda de madrugada. Ficou-lhe o amanhecer no verão para ver das águas para regar os milhos. Ainda mantém este ritmo. Agora também gosta de ir à missa do Domingo e é satisfação levar outros com ele. O carro está sempre cheio, e mais pudesse, mais levava. Lembram-se os bailaricos daqui e os de outras terras. Contam-se experiências várias: diz o meu primo Abílio que foram uns quantos rapazes da aldeia noite cerrada pela serra acima, (carro não havia na época para eles, a não ser o carro dos bois que tinham que junger para o trabalho da terra). Namorar, estar com raparigas bonitas e dançar a noite toda, era a única diversão e lá foram eles, contam os meus primos Abílio e Agostinho. Chegados lá nada indicava que haveria baile por aquelas bandas. De volta agora descendo a serra, tristes mas preparados para mais um próximo baile.

A propósito de bailes, conta a minha mãe Deolinda, lembrando um ano em que foi farra um dia até anoitecer, fazendo só uma pausa para beijar o senhor no dia Páscoa. Diz ela: “o Senhor já a entrar na aldeia e nós a dançar. Viemos a correr beijar o senhor e voltamos para dar continuação ao baile. E se baile não havia programado por alguém, o Adrianito, coitado, Deus o lá tenha, tocava o seu realejo e dançava. Portanto, diversão não faltava, até porque ao fim de semana teria que haver algo que os afastasse da semana que viria a chegar onde o trabalho aperta, quer para os homens quer para as mulheres. E alguém termina com mais uma história sobre artes que segundo eles não se coadunam com estes hábitos agrestes de bem trabalhar a terra. Na aldeia de Ester, o Sidónio que atravessava a serra com umas quantas canastras de sardinha à cabeça para vender, fazia-o tocando músicas de ouvido no seu realejo; uma mão segurava as canastras, a outra segurava o realejo junto aos eus lábios secos e sedosos de outros sons.

E assim nos despedimos com a esperança de que no dia seguinte mais histórias teria para ouvir e Vos contar....

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Caminhar Das Águas

Agora é assim...um tubo para canalizar as águas que corriam livremente pelas encostas.
Aproveita-se assim este líquido, um bem precioso que escasseia cada vez mais. Enquanto isso, os usos e costumes de outrora vão-se perdendo, e aperfeiçoam-se estes.

Assim, as culturas em terras que tiveram direito ás águas e que passaram gerações, como sobrevivem, se só alguns são detentores com este novo método de trazer as águas das nascentes, sem haver respeito pelo uso-fruto?

Vão-se os tempos antigos com as pessoas que os conheciam e novos ventos se avizinham. Haverá novos tumultos, para acrescentar aos já existentes, sempre que passamos pelos meses de verão, em que as fracas comunidades tentam a todo o custo manter o que lhes pertence por direito de uso-fruto. Mas será que sabem mesmo o que lhes cabe ao fim de tantos anos afastados das suas terras?

Por mim vou-me ficando à margem desta teoria de que: "o seu a seu dono", já não é o que era. Naqueles espaços que visito sempre no verão, não sei de águas nem de usos e costumes, a não ser aqueles que vou retirando através da música popular e da etnogafia. Ainda é o que me dá prazer, saber como viviam e não como querem viver nesta sociedade mostrando a cada dia que passa o seu lado mais competitivo, afastando-se do que de verdadeiro existe nestes lugares que primam pelo belo de tão maravilhosos que são.

sábado, 8 de agosto de 2009

Névoas

Lá para os lados de Reriz, a serra cobre-se de um colorido esbranquiçado. Ao longe quase se pode sentir esta leveza cor de pérolas, que ronda um céu brilhante e esvoaça junto às encostas, baixando até quase ao ponto de passagem. As gentes destas terras falam como se fizessem parte delas numa linguagem similar perfeita. Trabalham a terra e vivem no meio das montanhas. Os cumprimentos habituais, as azáfamas do costume, a rega que é precisa:


- "os milhitos, coitadinhos que tanta sede têm" diz a tia Dulce. A minha mãe acena com a cabeça que as névoas lá ao longe são um aviso de que o vento de cima vem aí talvez esta noite.

- Esperamos que não seja nada, mas que ele vem vem.
Assim nos despedimos, sem mais a dizer, com um até manhã se Deus quiser...


De facto quando me fui deitar por volta das 23h300, já se ouvia o uivo característico do vento do Norte. Um eco a embalar-me o sono e com ele adormeci até de manhã bem cedo quando os guisos do rebanho do Carlindo me despertaram para o nascer do sol que estava prestes a acontecer.

Quase a tocar o Céu

Ao Cair do Dia

(Entre Carvalhal e Castro Daire )


Este é um aroma doce a entregar-se no meu corpo frágil. Descem das montanhas novos tons ainda com resquícios primaveris que cobrem as encostas e se deitam sempre ao cair do dia...
Ansia de chegar a tempo de poder assimilar os sons que ecoam na aldeia em fins de tarde, quando o sol se lança neste vai-e-vém, pintando no céu as cores que me cobrem o rosto
São eles mais do que figuras abstractas, seguindo rumos incertos pelas serranias...