Nada é hoje como foi ontem, assim como nada foi ontem, como será o amanhã. Podia pelo menos haver tréguas entre as palavras e os dias, e até os tempos, para que dois pontos unidos por uma linha reta, pudessem ser a ponte de ligação entre o passado e o futuro. Para que quero eu saber do futuro, se ainda não me livrei do passado? Este passadiço de madeira que recebe agora os meus passos, serve de passagem até às correntes do rio. Passam tão sossegadas, e eu aqui, a tentar lembrar-me de correntes passageiras nas minhas lembranças. Olho a ponte, que tão quieta sustenta um céu maior do que este meu, por ser tão curta a minha passagem para a outra margem. Ela a ponte ainda se alonga até à Margem Sul, e eu, nem me sei delonga do lado de cá.
Acenderam-se hoje as luzes da ponte, Vasco da Gama. São pequenos pontos luminosos que nesta margem deixam reflexos vivos nas águas calmas do Tejo. O Natal costuma ser cedo e alongar-se por estas bandas. As ruas estão quase desertas. Ouvem-se vozes díspares das varandas das casas. Brilham lá dentro outras luzes coloridas. Estas que se acenderam na ponte, são todas da mesma cor – um tom branco ou esbranquiçado. Espreitei por debaixo dela e não vi os mendigos, não ouvi o latir dos cães de guarda. Lembrei agora que havia uma certa euforia lá para o lado de lá. Uma casa abandonada, recebeu esta noite todos os mendigos que já nem tinham ruas. Por isso não estão aqui. Aqui não poderiam estar. Esta é a zona mais privilegiada da cidade. A cidade em festa por aqui. Tudo cheira a rosas, a incenso, a bolos acabados de sair do forno. E lá, naquela casa, agora há mendigos que aspiram a algo mais. Têm cobertores e roupas, têm sopa, e até um prato de comida com garfo, faca e colher e quem sabe no final, uma chávena de café bem quente, para que não esqueçam nos próximos meses, os gestos natalícios duma cidade em festa.
O Natal já não é o que era para mim.
Silêncio envolto no nevoeiro.
O nevoeiro que engolia o silêncio.
Cheiro a terra e a lenha na lareira a arder.
Açúcar nas pontas dos dedos.
Canela pelo chão.
Um bezerro que nascia.
A matança do porco que se fazia presente com o último urro que se ouvia e largava na aldeia um eco fundo, e logo depois um cheiro a algo esturricado. Carquejas secas e a pele a arder entre labaredas de fogo.
Na horta, o frio e o gelo amaciavam as couves tronchas. E quando na lareira eu me aquecia, a doce brisa natalícia, colocava sempre nas minhas mãos uma luz verde - ponto luminoso crescente que me apresentava ao mundo e a DEUS por mais um ano de Luz,. Assim, em volta do fogo e da alegria, me lambuzava da doce e mística temporada que descia das serras.
A festa dos doces ainda não terminou. E de novo a primavera que me leva e me traz sempre aos mesmo lugares. A minha aldeia.
Do Capitulo I - Quem conta um conto, acrescenta um ponto....
2 comentários:
Vou acompanhar esta beleza de texto.Escreves lindamente.
Boa semana .bjs Eloah
Obrigada
Enviar um comentário