Lembro de me levantar manhã cedo, ainda o sol demorava para romper no alto da serra. O céu devolvia pouco a pouco, a claridade que anunciava um novo dia, com muito ou pouco sol, mas sempre com indicadores reveladores de um dia cheio de luz.
Levava os animais para se alimentarem da erva que crescia a olhos vistos: na Ribeirada, nas Lamas, no Soutolinho, nas Bouças, e até no Ribeiro, o sítio onde passa sempre uma grande quantidade de água. Era ali que minha Avó Lívia, afogava o linho para depois se estender ao sol, para que secasse e se trabalhasse.
Uma era a Loura, a outra, a Cabana.
Mas, quanto a isto, nada demais. Trabalho leve, e até divertido para uma criança. Só tinha que esperar vê-las de barriga bem cheia, e trazê-las de volta. Agora quando ainda me vêm à ideia, imagens de mulheres, que na minha aldeia lidavam com estes animais, com a força característica que vem destes lugares, não posso esquecer, não quero esquecer. As Terras Altas do Montemuro, evidenciam a força que no alto da serra encontra o ponto de intersecção de outra potencial evidência da dureza desta gente, a força do xisto.
Mulheres Guerreiras, aquelas que ficaram sós, vendo os seus maridos emigrarem para o Brasil, e sem nunca terem voltado. Muitos deles por lá ficaram! Muitas delas, abandonadas à sua sorte, por aqui trabalharam, mantinham os animais, outra força da terra que lhes permitia sobreviver semeando e colhendo. Muitas, ajudavam até, todas as fêmeas a parir. Lembro ainda da luz mortiça da candeia, pendurada numa das paredes de xisto. A Cabana aflita, largava lufadas de ar quente da sua boca. Lembro tão bem de como a minha Avó o fazia, tal como da força que exerciam os seus braços fortes de quem sempre trabalhou a terra. A Cabana estava já no fim do tempo. Viam-se sair as patas traseiras da pequena cria e ela puxava, ajudando e aliviando o pobre animal. Estendida agora no meio do feno ensanguentado, descansava, enquanto minha avó acomodava o pequeno e já grande bezerro.
Estas Mulheres da minha terra ficaram com os filhos pequenos, alguns ainda crianças de colo. Trabalhavam as terras, faziam as vindimas, apanhavam a azeitona, plantavam árvores, carregavam os carros de estrume, de lenha, de milho, de mato que cortavam no monte.
Estas Mulheres das Terras Altas tinham a sensibilidade nos olhos, e no corpo, a força da montanha regeneradora e libertadora. A força da terra, ventre crescente em todas as estações, fazendo nascer em cada espaço uma Primavera fora de tempo.
Dolores Marques
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