Sobre o livro: “Prometo Voltar” de Jorge Ribas
O ponto de passagem para o outro lado do mundo estava ali gravado naquelas paredes, onde sua mãe se entregara ao destino, há tantos anos atrás. João, após ter aprendido a ler e a fazer contas numa ardósia xistosa, sentiu-se nu na penumbra dos dias, quando da serra chegavam montanhas de nevoeiro a roçar-lhe a pele morena da face.
Também por entre “cordas de água” se desprendia em movimentos disformes, quando por via dos ventos de cima, tinha que lhe virar as costas, não fosse o diabo tecê-las e ver-se obrigado a virar as costas ao Deus:
seu já conhecido e amigo nas horas tristes, em que subia as encostas da serra e ali ficava pegureiro sem medo, mas com horizontes fechados nos olhos.
Crescera o Homem Serrano que no Montemuro se completava, quando sentado nos penedos, se organizava em prol de um futuro promissor. Porém, nunca por nunca, avassalador do amor que nutria pelas suas gentes, pela sua terra, onde as rosas também nascem, se criam e amam todo este movimento celestial que sempre desce do alto, lá bem perto do céu.
Deste facto, tinha ele consciência plena. Enquanto as giestas se entregavam ao vento em tremeliques dançantes, ele via por entre aquele odor “giestal”, a força que o levaria para lá, mas sem nunca faltar ao prometido que a sua consciência já determinara.
Também já o consentira, a sublime existência de dois seres que se completavam entre olhares e toques de mãos, quando no moinho se entregavam à doce e imaculada água que descia da serra, e fazia girar a mó que daria o pão nosso de cada dia. Às vezes até o pão que o diabo amassou!!!
Mas, Rosita trazia sempre aquele doce e intemporal sorriso nos lábios, aliado ao seu perfume natural, que tudo assim se completava neste cenário montemurano.
Cumpriram-se todas as promessas. Desfizeram-se todos os enganos, se os houve, neste trajeto, quando no rio se fez homem em busca da aventura existencial, para se cumprir o sonho de ir mais além. Ali, naquelas águas mornas, as correntes amorteciam-lhe a queda e levavam-no a outras paragens.
O Rio Paiva, o seu rio, um forte simbolismo caracterizado pelos movimentos migratórios que o fizeram conhecer a maior corrente que nos corre a todos nas veias e que se chama, Amor.
O seu rio onde sentiu o primeiro toque feminino, que por consequência o fez conhecer a paixão, o prazer de se sentir também, amado e desejado.
Simbolicamente falando, estamos perante duas forças do feminino montemurano. A corrente migratória de um rio, enamorado com a energia migratória serrana. E ali estava mais uma vez, a única força revitalizadora – o AMOR. Esta força, existente entre dois seres, nascidos e criados numa encenação perfeita, tendo como palco uma aldeia da serra do Montemuro.
Por fim, é chegado o momento de abrir os olhos e deixar sair os horizontes ali trancados. Novas correntes se apoderaram desta força da montanha, quando se lhe afiguram novos ventos, os quais, embora distantes, tinham ainda muito para contar. São estes ventos fortes do Norte, capazes de mover montanhas, mesmo as montanhas da saudade.
Nem mesmo a distância apaga as imagens dos elementos que caracterizam a serra do Montemuro:
Gente brava, aventureira, dura como o granito, que os lançou em desatino por conta das novas correntes que corriam nos seus corpos. Correntes migratórias que os levaram em busca do sonho ali nascido e criado.
Pelas suas raízes fundas, nunca a aridez de outras culturas as fez secar, porque os desertos infindáveis são agora correntes movediças, nos corpos que aguardam pelas novas chuvas de um outono em plena euforia.
Do outro lado do mundo, a força presente neste livro continua viva e intransigente.
A promessa ganha cada vez mais força, e a cada dificuldade, João vê-se confrontado com a exigência que a terra obriga. A sua terra, as suas gentes, e, principalmente aquela energia feminina, que no papel de sua mãe está bem patente neste vai-e-vem entre uma montanha e outra.
Poderemos até, firmar-nos na existência de um fio de ligação entre a serra do Montemuro e o Monte Cervino em Matterthon, que sempre existiu: dias em que de um lado surgia o nevoeiro a trazer aquela chuva miudinha, que formava cordões de água, e do outro, os farrapos de neve esvoaçantes, formando um todo unificado entre os dois lugares.
Por quanto me inteirar destes amiúdes gestos, que se soltam por entre as páginas deste “Prometo Voltar” de Jorge Ribas, também gostava de me prometer ser fiel à leitura presente. Não me alongar por montes e vales numa procura incessante de simbologias de terra, em confronto com os outros elementos. Ouvem-se rumores de um tempo, que ainda corre veloz por entre os trilhos da serra, cujos personagens deste livro calcaram e vincaram, como se os tempos fossem de primaveras sucessivas.
Neste tempo, em que o amor se consumava entre montanhas saudosas de afectos partilhados à mesma mesa, na Serra do Montemuro, os aromas primaveris dançavam entre portas, quando por via da velhice, aliada ao isolamento, seus pais tiveram que parar.
Sua Mãe soprava ainda as brasas de uma fogueira semi-acesa, enquanto o Pai se intrometia, ante a tristeza que se misturava por entre as ervas, ainda escorregadias de um inverno longo.
Mas, a força da natureza é algo de grandioso.
“Um bom filho a casa torna”, enquanto as duas forças unidas gerarem novos ventos de esperança, e com eles, novos acontecimentos a fazerem crescer melodias nos pinhais, agora mais fartos.
A força da mãe presente neste livro, a MÃE que o gerou, e o criou...e o devolveu à terra, de modo que esta fizesse o seu trabalho de fundo, que era levar o filho a correr mundo. A energia da mãe, sempre em constante afirmação, quando por causa de se ver forçado a emigrar, se aventurou por caminhos novos e ali se completou.
Por fim o Amor. De novo esta energia que se abre em danças celestiais e permite a cada Ser….ser um Ser.
Assim se constroem vidas, e se tentam calar os ecos de um passado de raízes fundas e lágrimas correntes migratórias. Porém, nunca por nunca se calam as vozes, tais ruídos de fundo que dão vida a esses mesmos ecos. O rio ainda espera por ele e a serra igualmente o recebe, tal como o Amor que deixou para trás, mas aguardando que se cumprisse a promessa de voltar.
Lavoisier mostrou como:“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, mas as reações químicas, provocadas pelas alterações climatéricas no Montemuro, deixam implícito todo este movimento, a quem viaja para se fazer cumprir toda uma vida. Por isso, nada se compromete, sem deixar como palavra de honra, a única que se conhece, ajustada ao meio onde sempre se viveu e nunca se perdeu.
Tenho para mim que na ânsia de voltar, o livro ainda não se completou. “Prometo Voltar”, deste meu conterrâneo, Jorge Ribas, é uma viagem no tempo e no espaço, tendo, como ponto de partida e de chegada, os elementos que se surpreendem uns aos outros, por conta da força dominante, que o sentimento natural por todas as coisas, ainda suporta.
O fio de ligação entre as duas montanhas ainda não se quebrou! Daí, este imenso caminho ainda à espera que se prometa ficar.
Dolores Marques
O ponto de passagem para o outro lado do mundo estava ali gravado naquelas paredes, onde sua mãe se entregara ao destino, há tantos anos atrás. João, após ter aprendido a ler e a fazer contas numa ardósia xistosa, sentiu-se nu na penumbra dos dias, quando da serra chegavam montanhas de nevoeiro a roçar-lhe a pele morena da face.
Também por entre “cordas de água” se desprendia em movimentos disformes, quando por via dos ventos de cima, tinha que lhe virar as costas, não fosse o diabo tecê-las e ver-se obrigado a virar as costas ao Deus:
seu já conhecido e amigo nas horas tristes, em que subia as encostas da serra e ali ficava pegureiro sem medo, mas com horizontes fechados nos olhos.
Crescera o Homem Serrano que no Montemuro se completava, quando sentado nos penedos, se organizava em prol de um futuro promissor. Porém, nunca por nunca, avassalador do amor que nutria pelas suas gentes, pela sua terra, onde as rosas também nascem, se criam e amam todo este movimento celestial que sempre desce do alto, lá bem perto do céu.
Deste facto, tinha ele consciência plena. Enquanto as giestas se entregavam ao vento em tremeliques dançantes, ele via por entre aquele odor “giestal”, a força que o levaria para lá, mas sem nunca faltar ao prometido que a sua consciência já determinara.
Também já o consentira, a sublime existência de dois seres que se completavam entre olhares e toques de mãos, quando no moinho se entregavam à doce e imaculada água que descia da serra, e fazia girar a mó que daria o pão nosso de cada dia. Às vezes até o pão que o diabo amassou!!!
Mas, Rosita trazia sempre aquele doce e intemporal sorriso nos lábios, aliado ao seu perfume natural, que tudo assim se completava neste cenário montemurano.
Cumpriram-se todas as promessas. Desfizeram-se todos os enganos, se os houve, neste trajeto, quando no rio se fez homem em busca da aventura existencial, para se cumprir o sonho de ir mais além. Ali, naquelas águas mornas, as correntes amorteciam-lhe a queda e levavam-no a outras paragens.
O Rio Paiva, o seu rio, um forte simbolismo caracterizado pelos movimentos migratórios que o fizeram conhecer a maior corrente que nos corre a todos nas veias e que se chama, Amor.
O seu rio onde sentiu o primeiro toque feminino, que por consequência o fez conhecer a paixão, o prazer de se sentir também, amado e desejado.
Simbolicamente falando, estamos perante duas forças do feminino montemurano. A corrente migratória de um rio, enamorado com a energia migratória serrana. E ali estava mais uma vez, a única força revitalizadora – o AMOR. Esta força, existente entre dois seres, nascidos e criados numa encenação perfeita, tendo como palco uma aldeia da serra do Montemuro.
Por fim, é chegado o momento de abrir os olhos e deixar sair os horizontes ali trancados. Novas correntes se apoderaram desta força da montanha, quando se lhe afiguram novos ventos, os quais, embora distantes, tinham ainda muito para contar. São estes ventos fortes do Norte, capazes de mover montanhas, mesmo as montanhas da saudade.
Nem mesmo a distância apaga as imagens dos elementos que caracterizam a serra do Montemuro:
Gente brava, aventureira, dura como o granito, que os lançou em desatino por conta das novas correntes que corriam nos seus corpos. Correntes migratórias que os levaram em busca do sonho ali nascido e criado.
Pelas suas raízes fundas, nunca a aridez de outras culturas as fez secar, porque os desertos infindáveis são agora correntes movediças, nos corpos que aguardam pelas novas chuvas de um outono em plena euforia.
Do outro lado do mundo, a força presente neste livro continua viva e intransigente.
A promessa ganha cada vez mais força, e a cada dificuldade, João vê-se confrontado com a exigência que a terra obriga. A sua terra, as suas gentes, e, principalmente aquela energia feminina, que no papel de sua mãe está bem patente neste vai-e-vem entre uma montanha e outra.
Poderemos até, firmar-nos na existência de um fio de ligação entre a serra do Montemuro e o Monte Cervino em Matterthon, que sempre existiu: dias em que de um lado surgia o nevoeiro a trazer aquela chuva miudinha, que formava cordões de água, e do outro, os farrapos de neve esvoaçantes, formando um todo unificado entre os dois lugares.
Por quanto me inteirar destes amiúdes gestos, que se soltam por entre as páginas deste “Prometo Voltar” de Jorge Ribas, também gostava de me prometer ser fiel à leitura presente. Não me alongar por montes e vales numa procura incessante de simbologias de terra, em confronto com os outros elementos. Ouvem-se rumores de um tempo, que ainda corre veloz por entre os trilhos da serra, cujos personagens deste livro calcaram e vincaram, como se os tempos fossem de primaveras sucessivas.
Neste tempo, em que o amor se consumava entre montanhas saudosas de afectos partilhados à mesma mesa, na Serra do Montemuro, os aromas primaveris dançavam entre portas, quando por via da velhice, aliada ao isolamento, seus pais tiveram que parar.
Sua Mãe soprava ainda as brasas de uma fogueira semi-acesa, enquanto o Pai se intrometia, ante a tristeza que se misturava por entre as ervas, ainda escorregadias de um inverno longo.
Mas, a força da natureza é algo de grandioso.
“Um bom filho a casa torna”, enquanto as duas forças unidas gerarem novos ventos de esperança, e com eles, novos acontecimentos a fazerem crescer melodias nos pinhais, agora mais fartos.
A força da mãe presente neste livro, a MÃE que o gerou, e o criou...e o devolveu à terra, de modo que esta fizesse o seu trabalho de fundo, que era levar o filho a correr mundo. A energia da mãe, sempre em constante afirmação, quando por causa de se ver forçado a emigrar, se aventurou por caminhos novos e ali se completou.
Por fim o Amor. De novo esta energia que se abre em danças celestiais e permite a cada Ser….ser um Ser.
Assim se constroem vidas, e se tentam calar os ecos de um passado de raízes fundas e lágrimas correntes migratórias. Porém, nunca por nunca se calam as vozes, tais ruídos de fundo que dão vida a esses mesmos ecos. O rio ainda espera por ele e a serra igualmente o recebe, tal como o Amor que deixou para trás, mas aguardando que se cumprisse a promessa de voltar.
Lavoisier mostrou como:“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, mas as reações químicas, provocadas pelas alterações climatéricas no Montemuro, deixam implícito todo este movimento, a quem viaja para se fazer cumprir toda uma vida. Por isso, nada se compromete, sem deixar como palavra de honra, a única que se conhece, ajustada ao meio onde sempre se viveu e nunca se perdeu.
Tenho para mim que na ânsia de voltar, o livro ainda não se completou. “Prometo Voltar”, deste meu conterrâneo, Jorge Ribas, é uma viagem no tempo e no espaço, tendo, como ponto de partida e de chegada, os elementos que se surpreendem uns aos outros, por conta da força dominante, que o sentimento natural por todas as coisas, ainda suporta.
O fio de ligação entre as duas montanhas ainda não se quebrou! Daí, este imenso caminho ainda à espera que se prometa ficar.
Dolores Marques
Dolores Marques
Texto publicado no Notícias de castro Daire
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