Estava ali
como quem
não quer nada
mas sentada
na pedra
da eira
a mesma
onde crivara
o milho
depois dos feijões
e soprara os grãos
em direcção ao céu
Estava ali
a seguir
às leiras cavadas
a torcer a roupa
depois dos esfregões
no tanque
aos lençóis
a beber da fonte
que brota ainda
água fresca
no Verão
O mesmo Verão
em que ao serão
desprendia o carrapito
e soltava os cabelos
tão brancos
como a farinha
com que cozia o pão
E eu ali estava
agora deitada
na mesma pedra
da eira
e lembrava
o tempo...o tempo
da lareira acesa
quando as mãos dela
passavam rentes
à fogueira
e enchiam
panelas de ferro
com as gotas
de um suor frio
e o escorrer
de uma lágrima quente
enquanto o estrugido
saltava na sertã
para a ceia
E eu continuava ali
agora sentada
na mesma pedra
onde ela massou
o linho e o espadanou
com uma espadana
que guardo
sem nenhum rasgo
de pudor
ou rancor
pelas flores de linho
arrancadas à força
pelas minhas mãos
enquanto criança
quando brincava
com as ervas
e com os molhos
atados pelas mãos dela
(Tão bela e tão certa
estava de me entregar
agora à solidão da eira
sem os pés no chão)
E lembro
e relembro
os olhos dela
cansados
e sujos de terra
as mãos…as mãos
calejadas da enxada
e a aliança... a aliança
a brilhar ainda
na mão esquerda dela
E eu continuava ali
agora de pé
a olhar o céu
e a escrever nele
um poema
e também uma prosa
sentida por ela
e por todas as mulheres
da minha terra
que sem dono
nem trono
se deitaram na terra
e fizeram dela
o maior parto
já visto do céu
E ela lia e relia
lá do alto
todas as letras sentidas
por ela e por todos
os que deixaram a terra
arada, regada e semeada
de todas as sementeiras
que Deus nos deu
DM
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