sexta-feira, 4 de setembro de 2020


Falo-te de nós

Guardado na arca, um vestido com cheiro a mofo. Enxovalhado, amarrotado, rasgado. Esperar, era sempre um acto de coragem a enfrentar a porta fechada. Nem sempre as portas se abrem com ferrolhos tortos e fechaduras enferrujadas. 

Li num livro, que não devem as mulheres, sair à rua sem um vestido novo. Apesar dos adornos e das naftalinas, emancipado. Apesar dos jogos de sedução, e dos deveres, um bom livro. Porque nem tudo o que se lê é o que se vê. Nem o que se escreve é fruto de um testemunho válido por cima dos ombros. Os olhos que baixam ao nível das mãos, não sabem ao certo o que dizer. O tempo tem dias incertos, para quem não vê, que as dores de um parto são explosões de luz e cor, pelo corpo abaixo.

Digo-te de um tempo, não de mim. Eu, só procuro o que não encontro nas palavras ditas. Por isso, a olho nu, escrevo. Inspiram-me as estações. 

Falo-te de nós, de quem havia de ser. Deus?

Deus talvez nos siga e nos diga D'Ele, naturalmente, como o são os lugares que Ele sabe que nos fazem felizes para sempre. Embora se saiba que "sempre".... não é um único caminho pela serra. tão-pouco o rio Paiva se entrega a esse castigo, sem cumprir a promessa de se entregar à foz.  


Ao que parece, Deus não tem voz.

E tu, porque me soas baixinho, como se eu fosse um altifalante? Às minhas mãos, chegou, íntimo, alguém que me fez sorrir. Digo com alguma certeza, que não abona a seu favor, a roupa azul-turquesa, fora de moda. Por isso, tudo o que vês do lado de fora da porta, em nada se compara ao que se passa dentro da minha intimidade.

Quando os poemas são sóbrios, a inspiração é um misto de sentimentos, onde se pode beber, até que, embriagados, os dedos caiam sobre as teclas. Depois, é tempo de lembrar todos os momentos felizes, e voltar a eles de cara lavada. 

A felicidade é uma porta sempre aberta, um caminho sempre novo....

Deixemos então, o tempo calar o tempo da malvadez encurralada nos olhos, que é tempo de abraçar os corpos mutilados, é tempo de semear e colher novos tempos.

Dolores Marques, Onix



 

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