terça-feira, 30 de junho de 2015

Coração da Terra

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Precisava sentir-se protegido nos momentos de solidão, quando até a fome decidia  esburacar-lhe o estômago. Ficava ali a cirandar até ouvir o som das vestes do padre a arrastarem-se pelo chão.
Olhava mais do que uma vez, uma a uma, as pedras com que construíram o mosteiro. Era notório que cada qual, teria uma simbologia muito própria, mas descobrir o significado daquelas siglas era ainda um mistério insondável.
As siglas e as figuras esculpidas na parte exterior, assim como toda a história envolvente, na sua forma arquitetónica, levou a igreja à categoria de Monumento Nacional. 

A escola estava longe dos seus horizontes. Não as havia. E as que porventura houvesse, não seriam para os camponeses. No entanto, e apesar do analfabetismo que caracterizava grande parte da população, havia uma predisposição para aprender outras artes. Desde trabalhar a madeira, o ferro, o barro, a tecelagem, o linho, etc.

Outras viviam no secretismo influenciadas pelo misticismo quando por força das circunstâncias, isolados e sem dinheiro para irem ao médico se viam obrigadas a recorrer a certas figuras dadas a trabalhos ocultos. Eram os chamados de curas, curandeiros ou bruxos.

Sabe-se que apesar da ignorância que caracterizava grande parte das pessoas, uma em cada cinco famílias, possuía um romance e algumas até o livro de São Cipriano. O que me leva a crer que os mais eruditos aprendiam com os seus, os serviços que o estado não tinha para lhes dar. Um País que apostava mais no sector terciário, excluindo assim a população da sua evolução remetendo-a ao analfabetismo.
Apesar disso, ou por via disso, João descobriu um caminho menos próprio, o que menos se espera encontrar, comparativamente à vida da maioria das gentes das aldeias do Montemuro. Gente de trabalho, de bem consigo e com os outros. Gente de convicções, dotada de valores que vinham de raiz, como se ali residisse para todo o sempre a luz que lhes indicaria o caminho a seguir. No rosto, os traços vincados tal como a projeção do olhar, sempre direcionado para a terra, e a par com a terra, e sabedores do único conhecimento que consiste em decifrar a força anímica que brota das suas profundezas.
É esta força que dá as formas ao rosto. Deste modo, os traços são idênticos aos trilhos pisados e recalcados pelos nossos passos na subida íngreme da serra. Existe uma vontade de contornar com os nossos próprios dedos, todas as rugas, para um conhecimento existencial das nossas próprias mãos. Têm todos um olhar bem definido, caracterizado por um olhar benevolente que deixa marcas para além do tempo(...)

Dolores Marques in "Coração da Terra" (a editar)

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