quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

CORAÇÃO DA TERRA - A Dança dos Elementos



O ar que entrava pela porta dos fundos chegava de um fundo invisível. Ainda a Primavera se inteirava de como entrar pela janela, e até nos montes as urzes se tinham atrasado por causa do fogo que lavrou durante a noite todas as flores montanhesas. Somente um ramo de giestas se firmava ainda com aquele odor que embriaga, e eu com pés na estrada empoeirada gravava simplesmente o tamanho dos meus passos. A terra ainda mole e macia deixava a descoberto mais um dos seus elementos, que quase sempre surge de um fundo apetecível.
A nascente de água insistia no seu caminhar agora por entre as cinzas negras e fumarentas. Tratava-se da água da fonte fria. Talvez por ser a água que está sempre pronta para beber, fresca e límpida em qualquer época do ano, quer seja da festa dos doces ou de romaria.

Os meus pés também descobriram uma espécie de amuleto muito brilhante que ainda guardo religiosamente. Durante esta época festiva, e porque se trata da festa dos doces, eu seguro-a nas pontas dos dedos e dou-lhe brilho como se de um pão de ovos se tratasse, a sair quente lá do fundo do forno a lenha. A pedrinha com lascas de xisto brilhantes e coloridas, tais como as partículas reluzentes de granito, satisfaz assim este desejo interno de ser somente mais um pedaço de terra. Desejo firme da minha terra em me sentir gente, como as gentes que ainda habitam os fundos de vida, mas com promessas para uma viagem ao fundo do maior fundo de verdade que há em nós.

Este é verdadeiramente sentido pela sua força viva, genuína, e Divina a tomar-me o centro, no maior centro energético, onde o Amor sempre se demora.
A voz do fogo continua a ser o garante para o desfile universal de todos os outros elementos. Trazemo-lo dentro de nós como força viva a incentivar-nos a seguir em frente. Sabê-lo-emos a força interna de um Amor que sempre cresce e dá flor, mesmo antes de a Primavera nos bater à porta?

Poderemos concluir-nos neste pedaço de chão, ou deixarmo-nos consumir por ele até ao último tição, como quando se colocam junto à porta do forno para dar luz e cor ao pão que irá caber na nossa mão. Amassou-se, deixou-se levedar, tendeu-se e enfornou-se. Não coube todo de uma só fornada. Acho que foram precisas duas ou três, assim como duas ou três vezes se lançou lenha para a fogueira, e de novo se acelerou o processo que consiste em colocar a base do forno em quase ebulição.

Varreu-se de seguida com uma vassoura feita de ramos de giesta. Permitimos que as brasas caíssem junto aos nossos pés e se misturassem naquele monte de tições apagados envoltos em cinzas ainda quentes. Depois com um pano encharcado em água limpou-se abafando aquele fogo ainda presente nas grossas pedras negras que mais pareciam de ônix sobrepostas. Deixámos que arrefecessem um pouco para não queimar a base dos bolos do pão. Desta forma, até as carquejas secas que ocupavam ainda parte do velho soalho, se abriam todas àquele cenário onde os elementos agora em chamas, se dispunham à porta do forno, para um bailado contemporâneo.

A coreografia, composta entretanto pelo elemento humano fazia parte de uma encenação duvidosa, por não se saber afinal quem se apressava em demasia para os passos de dança que a vida obriga a cada género

Uma série de elementos diversificados a sobreporem-se no mesmo chão de terra, onde o fogo se acostuma, a água se deslumbra e o ar se consome nesta mistura que já no passado juntou as sementes todas para a transformação do pão.

Uma sequência que inquieta até o maior elemento dos últimos tempos. O elemento humano, a querer consumir-se antes do tempo, por quanto fogo carregar em vida, e não saber ainda como matar a sede, saciar a fome e apalpar com as mãos as partículas rochosas de um amuleto nascido lá no alto da serra, onde o fogo ainda canta e se lamenta por todos os amores que deixou escapar por quanto querer avançar até às margens do rio.

Ali, quase sempre se aquieta, porém cessa sem antes conhecer a cor dos meus olhos quando por ele sentem paixão, que sempre queima e dói sem saber que se irá afundar um dia no poço fundo, onde todos os sentimentos se confundem e se afogam antes de se conhecerem sãos e únicos na forma.

Em verdade vos digo que continuo a amar este Universo de luzes e cores a bailarem nos meus olhos. Por isso insisti em vir por aqui. O desafio da voz do fogo é irrecusável. Ele coloca-nos perante uma imensidão de emoções e de sentimentos. Sofro, eu sei, mas gosto desta espécie de dor que queima por dentro. Nem ligo muito a festas, mas às pessoas. Adoro pessoas. Gosto de mim….muito. Mas só gosto porque tenho sempre cá dentro muita gente.

"Se não falarmos antes, se não nos virmos antes, até dia 31 se Deus quiser”

Deus queira que me amem!!!

Dolores Marques