terça-feira, 29 de junho de 2010

Fluxos Migratórios (Os Resistentes II - Lívia Dias Ferreira)

Os Resistentes II - Lívia Ferreira


Minha avó materna, filha de Abílio Ferreira e de Mª do Carmo Dias, regressa do Brasil com apenas 6 anos de idade. É na aldeia de Moção que ela cresce amando a natureza, aprendendo a trabalhar e também a amar a terra. Casa com o meu Avô de nome Herculano de Paiva e passados 3 anos vê-se sozinha. Este é um outro período forte pelas emigrações ocorridas, que levam mais pessoas a deslocarem-se ao Brasil em busca de novos rumos, para a construção de um futuro mais risonho para as famílias que vivem neste ermo, isoladas de tudo e dos meios para atingirem novos conhecimentos da vida. Tinha nascido a minha Tia Ida, e grávida já da minha mãe Deolinda, assim vê partir para terras longínquas o homem com quem casou e por quem esteve apaixonada até á sua morte, corria o ano de 1964. O meu avô por lá ficou, morto no local de trabalho que ardeu e com ele dentro.
Assim aconteceu com outras famílias, quer desta, quer de outras aldeias vizinhas.


É aqui nesta dureza, onde o granito faz mossa, que eu cresço em redor de uma força, que sempre me pareceu normal. Nesta aldeia, as mulheres sempre trabalharam ao lado dos homens e no caso da minha avó, ela tinha o pensar e a força de um homem, pela forma como lutava, para conseguir que as terras não ficassem de velho. Contratava quem as lavrasse e lhe ajudasse nas colheitas, mas todo o trabalho que envolvia a manutenção da terra; a rega, o tratamento dos animais, o estrume para as cortes dos animais, a lenha para a fogueira, era a ela que tudo fazia para que nada falhasse. Ela foi também e a última pessoa a abandonar o trabalho do linho, que eu adorava acompanhar; desde a plantação até à venda na feira, sem deixar de ficar com algum para ela própria fiar e mandar tecer lençóis, colchas, toalhas, etc. Ela negociava a madeira dos pinheiros, o valor porque teria que vender os animais, ela era tudo o que lhe tinha faltado, sem esquecer de ser também o amor, mesmo que há distância. Gostava de se divertir. Não faltava a uma festa e cantava e dançava para mim e meus irmãos, ao som da música de um rádio que ela ligava sempre que chegava a casa.

Faleceu há cerca de 15 anos. Lembro que ao recordarem certos episódios da sua vida, alguns homens das aldeias vizinhas, no seu velório, foram relatando feitos que ainda não sabia. Por altura da guerra que assolou o mundo e por estarmos numa zona forte em volfrâmio, foram feitas muitas extracções, pelo que contratavam pessoas para esse trabalho, das que por aqui viviam. As tarefas eram divididas e pagas consoante a dureza das mesmas. O trabalho mais duro era oferecido aos homens, o outro às mulheres, que se limitavam a limpar e separara os filões do resto dos detritos, que os homens acarretavam das minas. Esta mulher, optou por entrar na mina ao lado dos homens e desempenhar ela mesma, também essa tarefa.

Para além da dureza do trabalho e da vida, ela nunca deixou a sensibilidade fugir-lhe. Considero-a uma verdadeira mulher da terra e uma verdadeira poeta, pelas frases que me dizia e que eu em criança gostava, mas não entendia pela diversidade de carácter com variantes pouco comuns aos dias de hoje. Tudo muda e esta ligação à terra advém de uma força que nos é incutida, mas que se vai perdendo com o surgimento dos tempos modernos.

(“repara que até as pedras da calçada sorriem, para nós….”), disse-me ela num mês de Agosto, sempre que via a aldeia encher-se de gente. Gente também sua que se foi mais tarde para Lisboa, França e outros lugares. Sempre que se aproximavam os meses de verão, via-se no seu olhar um novo renascer para o mundo e para as gentes vindouras. Será que todos o entendem assim? Lamentavelmente, a vida deixa marcas que levam tempo a sarar. Estes sitios isolados do mundo e com uma maior incidência nas tarefas agrícolas, como minifundio, fizeram com que muitas das pessoas, após terem tico contacto com a suposta civilização, querem esquecer os tempos da fome, da miséria e do trabalho árduo que por aqui se desenvolve. Esperemos então para ver o que a vida nos reserva no futuro, e se estes lugares belos e montanhosos a perder de vista, não serão esquecidos e encaminhados tal como as águas a caminhar para o vazio. O rio Paiva passa mesmo lá em baixo. Serão estas águas cristalinas, o testemunho de outras fontes residuais ecarismáticas onde brota o granito, no meio das urzes, dos sargaços e dos pinheiros. Os sobreiros crescem e as oliveiras secam nos terrenos, assim como as videiras. A água é escassa e os resistentes de hoje, lutam sempre que chega o verão para poderem manter o que muitos esqueceram; os terrenos limpos e cultivados.

Iniciou-se há cerca de 40 anos outro movimento migratório. Aí me encontro com a vinda dos meus pais para Lisboa.
Outros pouco mais novos que eu, também se foram, mas desta feita, a Suiça recebeu-os
(Continua)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Fluxos Migratórios desde finais do Séc. XIX


(Fotos, Dolores Marques
*
Os Resistentes I - Abílio Ferreira e Maria do Carmo Dias

Pretendo dar a conhecer alguns casos de pessoas desta e de outras aldeias e localidades a sair para outras terras, outros mundos, indo ao encontro de uma vida mais satisfatória, quer a nível financeiro, quer a nível cultural, (embora este último, ficasse aquém das preferências da grande maioria das pessoas, que viviam sem grandes ambições a este nível, pois o seu interesse era sempre baseado no apego que tinham à terra e ao que dela poderiam retirar para a sua sobrevivência). Lembro mais uma vez a minha Avó Lívia, a minha Tia Glória, a minha Tia Zeca entre tantas outras mulheres, que ficaram só com com a responsabilidade de educação dos filhos sem nunca desistirem, actuando sempre no sentido da preocupação em manter os seus bens e aumentá-los.

Também o número de terras e bens, foram durante muito tempo, a revelação de quem era mais ou menos importante, nas aldeias. Era sinal de riqueza.

Para iniciar estes testemunhos, não posso deixar de falar primeiramente duma história que me é conhecida através da minha família. Irei então começar por escrever sobre Abílio Ferreira e Maria do Carmo Dias, meus bisavós maternos, avós da minha mãe Deolinda Ferreira; emigrantes para o Brasil em finais do século XIX.


Partem para o Brasil no dia do seu casamento. Diz a minha mãe: “Aquilo é que era um homem de ideias fixas, pegou na minha avó no dia do próprio casamento e abalaram para o Brasil, para lutar pela vida”. De facto assim foi, em meados do ano de 1897. Lá trabalharam os dois, para concretizarem os objectivos por eles definidos. Tiveram 5 filhos. Mas contam os mais recentes e que eu conheci, tal como a minha Tia Carmo, irmã da Maria do Carmo Dias (as duas irmãs com o mesmo nome talvez se deva ao facto de serem os padrinhos a escolher os nomes. Daí que a minha tia Carmo que eu ainda conheci era chamada de Carma), que o trabalho deu cabo da sua saúde, e que foi isso que os levou mais cedo desta vida. Regressam ao fim de alguns anos, com os seus cinco filhos, sendo que a minha Avó Lívia era a mais nova. Com seis anos de idade chega a Portugal, e foi nesse mesmo dia guardar o gado para o monte. Contava ela que passou o dia a chamar pelo pai. Aqui tiveram mais duas Filhas: as minhas tias Glória , e Rosalina.

Contam as pessoas que era um homem muito lutador e de poucas falas, embora de uma grande educação e respeitador. Trabalhou muito na aldeia no cultivo das terras que já tinham, adquirindo outras. Conta a minha mãe, que num local chamado Beloutão; um conjunto de terras que existem junto á estrada principal, que nos leva dali para outros sítios, tal como Castro Daire, ele cismou que naquelas terras havia água para extrair e poder então realizar o seu sonho - cultivar e fazer daquelas terras, grande parte do sustento da família. Assim, andou durante uma semana a escavar a terra com uma picareta, construindo uma mina, para que de lá saísse o tal precioso líquido que faz andar o mundo. Ao fim desse tempo, desiludido e quase a desistir assim voltou a casa pensativo. Achava ele que já não havia grandes possibilidades e que talvez se tivesse enganado. (Um facto curioso, é que naquele tempo nem todos tinham acesso à educação sendo que o analfabetismo era um factor forte para que as possibilidades de ascensão a outros trabalhos lhes fosse negado. No entanto mas este Homem sabia ler e escrever, muito bom em matemática, sendo isso que o levou a ser promovido no emprego que teve como emigrante no Brasil). Contudo e voltando à mina…No dia seguinte, teve uma grande surpresa. A água jorrou durante a noite e alagou tudo levando terra e pedras, tal a sua força. Conta a minha mãe que ele todos os dias ia para aquele local trabalhar, pois dali, retirava muito da sustento da sua casa, desde a fruta, a legumes, a vinho, a cereais e até azeite.

Também esta sua neta, minha mãe apesar de ter sido migrante em Lisboa, ficou com este gosto e encontra-se reformada e viver em Moção. Também ela, todos os dias lhe apetece ir por aquelas terras. Plantou até mais oliveiras e arranjou forma com os outros herdeiros, de se construir um tanque para depósito das águas que tanto esforço deram para sair das entranhas da terra.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Quem fui e quem sou eu...(Adelino Pereira)

Nascido e criado na Aldeia da Relva - Monteiras – Castro Daire, descendente de família média vivendo do que as terras davam , dum rebanho de ovelhas e cabras, que pastoreei, atrás duma junta de bois, ali frequentei a escola Primária , 4ª classe inclusive, depois frequentei o Seminário, fiz a admissão à escola Industrial e Comercial Emídio Navarro em Viseu em 1957,estudando de noite e trabalhando em tipografia de dia. Aos 16 anos quis alistar-me como aluno Marinheiro na Armada e desde esse dia 13 de Março de 1961 que a servi até 1988. Cheguei ao ponto onde queria chegar, e o posto máximo devido à idade parou em Sargento Ajudante. Corri o Mundo todo, sempre embarcado em navios. O meu primeiro Teatro foi apresentado em Castro Daire, “O 31” em 1955. Depois em plenos mares e oceanos entretive muitos moradores da mesma” casca de noz.” Nos espaços de folga, o bichinho do Teatro e poesia acompanhou-me sempre em colectividades da zona de Sintra, em marchas populares, em festas de aniversário etc. Presentemente dirijo um Grupo de Animação Cultural e Recreativa – onde o Teatro e o Coral são Reis - Hoje continuo a “brincar” com as palavras e com elas rimando tentando fazer versos .. é a minha poesia... é o meu entretenimento tendo uma vida de reformado.
Estou a escrever em prosa uns rabiscos “ ENSINAR...É DAR TUDO” para fazer uma surpresa à minha Professora que esteve colocada 9 anos nas Monteiras.
Sou um ser cheio de “magia, sonhador, e amigo de toda a gente e babado por poder escrever estas linhas a uma amiga poetiza “filha da terra”, Dolores

domingo, 6 de junho de 2010

A Aldeia de Moção vista por Adelino Pereira

Não me diga que Moção
Está esquecida
Moção está apenas empobrecida
Mas um dia há-de saltar
Para o Mundo admirar
Quem por ela fez
E continua a fazer
Uma terra
De Magia
Onde nela nasceu
Uma poetiza
E sobre ela escreveu
E escreve
Muita poesia


Já fez por Moção
O que lhe ditou o coração
Já fez pela sua terra
O que hoje é a sua Espera
De ano a ano
Para onde “veleja” a todo o pano
Em paz e em “guerra”
Guerra para se fazer ouvir
E assinalar
Que Moção é terra serrana
Mas onde ninguém se engana
Paz para espalhar
Que existe
E em Moção
Quer sempre
Morar
Com Desfeita por perto
Moção é céu aberto
Para Mós, Eiriz
Ribas, Pinheiro,
Casal Bom
Moção é lugar
Onde outros lugarejos
Se podem avistar
Como Ester
Vila Nova
Lomba da Avó
Com estrada com “nó”
Mas à do Avô
Se vai meter


Lomba dos Ferreiros
Reriz
Raso e Covelinhas
Estêvão e Além do Rio
Moção lhe dá o desafio
De que com ela povoação
Esperam o dia da Bonança
Como a de Sá, Rosmil e Lajeosa
Terras do mesmo “tecto”
Mas terras cheias de maravilha
Onde as suas gentes são a maior riqueza
Com o seu viver em harmonia
Isso é a verdade
E mais..
Em Ímpar LIBERDADE

Ervilhal
Outeiro e Amoreira
Juntamente com Adopisco
E outras como Moção
Engrenaldadas
Vivem de mãos dadas
Como poucas em Portugal
Podem estar adormecidas
Do progresso esquecidas
Mas de cada um
São a sua terra Natal
*
Poema enviado por Adelino Pereira, natural da Relva a viver em Viseu