quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Em Agosto secam os montes e em Setembro, as fontes"


Este é mais um ano que avisto ao longe os diversos montes sobrepostos, enquanto os meus olhos procuram novas cores na estrada. Há dias com um sol tão forte que me parece soltarem-se raios solares de dentro do alcatrão. As cores são agora mais desbotadas do que da última vez que aqui estive. Era Primavera e os montes um povoado de jardins raros com cheiros inebriantes. Vou olhando as paredes graníticas rasgadas pelas máquinas quando da construção da estrada que vai dar ao Porto e olho a placa que anuncia o fim do Concelho de Castro Daire e início do Concelho de Cinfães. Mas é aqui neste ponto alto da Serra, um ponto de passagem e também um ponto de paragem, para que meus olhos alcancem os diversos tons mesclados, tal a distância que eles albergam neste ermo distante das margens do rio. Por lá vêem-se os mais diversos tons de verde. Desde a folhagem dos amieiros, às eras que abraçam as pontes, até aos tons verde claro e verde escuro das águas á sua passagem pelas diversas rochas, pelo chão de areia ou chão de terra coberta de musgo.

Enquanto visualizo estas imagens do rio Paiva, que são um contraste interessante mesmo ali em baixo nas encostas da serra, os meus olhos procuram as fontes que em Abril ainda jorravam pelas pedras de granito. Contudo em Agosto, só restam os vestígios do que as águas deixaram à sua passagem. “Tudo mudou de cor”, digo eu, enquanto a minha mãe esboça uma frase que eu nunca tinha ouvido: “Em Agosto secam os montes , e em Setembro as fontes”.

De facto não se vê um pingo de água que tenha ficado esquecido nestas paragens. A paisagem para além de agreste, com as suas rochas esculpidas pelo tempo, onde eu sempre visualizo alguma figura humana ou animal, por vezes parece um sol ardente por tudo o que é canto e recanto. É ainda Agosto e ao que parece, as fontes secaram. Não é por acaso que passo mais um ano na minha aldeia que se situa nas encostas desta serra e venho com uma sensação de vazio, não de água que ainda por lá escorre alguma, mas da forma como a recebem, quando dela precisam para regar as terras. Esquecem-se os valores adquiridos, tais como a religião, a amizade, a solidariedade, a os laços de família em prol de um rego de água para defender o que é seu.

Costuma-se dizer “o seu a seu dono”, mas aqui nestas terras isoladas do resto do mundo, a água é um bem precioso, como preciosos são todos os bens que dão voz à voz da terra e à sabedoria popular. Tudo se move em prol de um rego de água e a noite é um céu onde as estrelas se avistam e se vigiam para a viragem das águas. Esta foi uma noite, em que fiquei também eu, a ver quando a estrela se ia por para lá do monte. Seria esse o momento em que meus pais teriam que virar uma água e juntá-la durante a noite numa das poças que existem no cimo da aldeia para o efeito. São cada vez um número mais reduzido as pessoas que vivem nesta aldeia, mas mesmo assim, não se conseguiu ainda uma forma de entendimento, para se saber ao certo a quem pertencem as poças e a quem pertence virar a água ao por da estrela. Desta água a minha mãe ainda sabe, pois lhe foi legado este saber pela minha avó, e à minha avó pela minha bisavó. Dou comigo a pensar se eu voltasse a esta terra, como sobreviveria, pois se nada sei de águas da levada, talhadoiros, regos, poças e boeiros de poças. Não será o momento de todos se sentarem à mesma mesa e colocarem as cartas na mesa, digo, arranjarem forma de entendimento de uma forma saudável, já que são tão poucos e todos uma família? Daqui a poucos dias vou embora, mas com a mesma tristeza de sempre, que é sentir que este espaço ocupado por poucos, dá azo a tantas euforias do momento, mas que trazem com elas tudo o que faz do ser humano um ser tão minúsculo do Universo, mas com imensas capacidades de alcançar o outro lado do mundo e dizer: EU SOU.

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