quinta-feira, 20 de março de 2014

Quem conta um conto

(…)Mas como diz o ditado, “o hábito faz o monge”. Visto-o e dispo-o sempre que preparo a mala para mais uma viagem à minha aldeia. De novo para recontar pedras e pisar terra molhada. De novo para desenterrar memórias. Enfim, preparada para o regresso às minhas origens. Moção uma aldeia esquecida, entre serranias. Esquecida por alguns, ali, nados e criados. Muitos não querem saber destes lugares. A fome fê-los arregaçar as mangas, e trabalhar a terra para poderem sobreviver. Outros horizontes nasciam nos seus olhos. Outros mundos se construíam no seu olhar. Outros nem querem lembrar do que passaram. Preferem ficar por lá, onde a vida lhes sorriu. E aqueles a quem vida sempre lhes permitiu sorrir, estão sempre à espera de novos movimentos nas suas mãos, entre o dar e o receber. Esquecida está também pela autarquia. Alimentem-se muitos cabritos, engordem-se e façam a troca de favores, com um simples aperto de mão e um bem-haja. Satisfazem-se assim todos os que têm fome de terra e de semear para colher, assim como os que tem fome de poder a roçar ainda o tempo dos senhores feudais. O bem acima e tudo, porque o tudo, esse é ponto assumidamente diferente para quem mexe na terra. A mistura só existe, quando se junta farinha de centeio com farinha de milho. Dois cereais abundantes e que aceitam as rajadas de vento como ninguém. Curvam-se, mas não se deixam abater mesmo com espigas no chão. Um exemplo da força da terra. E neste comércio local, onde as trocas habituais, se fazem muitas vezes sem palmadinhas nas costas, mas mãos nos bolsos a descansar da última refeição, se consegue algum benefício para estas terras. Muitos se alimentaram, para depois se esquecerem das sementes que deitaram à terra(…)

Dolores Marques

De um livro que me tem, de um livro que um dia…talvez lerão

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