terça-feira, 9 de junho de 2015

Cantora da Beira Paiva - Aurora Simões de Matos

A força que recebeu de um Deus tão seu sente-se em cada sopro de um vento que passa breve. Dádiva, Dom ou simplesmente a voz com que canta ainda hoje a sua terra, um marco que a firmará pelo que representa a sua fé Nele. Enquanto Mulher doou-se à vida e fê-la germinar no seu ventre, florida tal como se abriam em flores, as urzes no Montemuro. Serra mãe de tantas aldeias que ali pariam os seus filhos. Terra origem ou um fundo de vida que nunca olvidava as sementes mais transcendentes.

Ouviam-se sons dispersos, reafirmados na teimosia dos ventos. Estes, embalavam as noites, cujas vestes brancas desciam a céu aberto. Ouvia-se com tal nitidez o caminhar das águas pelos caminhos. Sumiam-se em ocultos movimentos, outros haveres de gente dura de braços e branda nos gestos. 

Simplicidade carimbada por inúmeros silêncios, ecos escusos em diversas sombras desenhadas nas paredes de xisto.

A vida que a abraçou, acolheu-a no tempo devido. Sentada numa das varandas da sua casa fazia acontecer o milagre das águas. Passavam elas logo ali em baixo. Ouviam-se à Beira-Paiva, e ela, menina alegre, doce e franzina, olhos negros e os longos cabelos pela cintura fina, desbravava cerros de terra seca com a verdade dos seus olhos. Aconchegava o tempo nos seus braços e com seus passos leves, caminhava sobre um tempo que se previa luminoso.
Ouvia-se entre bolhas e bolhinhas provocadas pelas correntes que se escapuliam entre as rochas. Mirava-se num leito agora morno de águas paradas. Era assim o seu reflexo a aproximar um tempo futuro de sublimação. Um devir que perto, muito perto haveria de se cumprir, embora lento, embora frágil tal as névoas casadoiras com um céu maior a descair sobre o monte.

Fala-me coisas, muitas em frases descontinuadas no tempo. Faz retrocessos, avança como se o mesmo já não fosse nada além de um tempo agora acomodado na sua voz. Às vezes trémula, outras, segura de si, como o são os movimentos que dá na grande roda que a vida ainda é.

- Eu era menina, na idade em que a vida não estorva. Não me lembrava do tempo para trás...e o tempo para a frente tinha sempre o mesmo nome. E nele pouco mais contava que o sol de perfumes sem espaço...a inundar de cores o meu quintal, onde sorriam sabores.

Poetisa que vem de longe com sons e luzes e cores. De um lugar onde só os poetas ouvem os gritos agudos de Deus. Mulher grande da minha terra; que debruçada sobre rio cujo leito se conjuga entre as várias correntes do verbo amar; que da serra se alimenta para que a ouçam cantar e a saibam para sempre o Verso num colo de Mulher(...)

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