quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.

CORAÇÃO DA TERRA
Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.

A noite neste lado da serra está inquieta. Uma noite sofredora pelos ventos que carregou em vida. Esta é agora outra noite. Tenho-a inteira sobre os meus olhos, apesar dos pingos de chuva que se ouvem cair nas pedras da calçada. Gostava do tempo que a percorria, porque sentia-a sempre uma nova calçada nos meus pés imaculados.

A neve que escorre do único Talegre que se avista ao longe por entre as serranias é o indício de que novas divindades descerão dos céus. Contudo, a noite sofre pelos tempos idos e não tidos na sua fronte decepada. Nos longos caminhos que percorreu em vida, continua a ser noite, noite simplesmente. O dia, esse não lhe dá tréguas, porque traz sempre em todas as manhãs, um novo formato de como desafia-la a ser um posto erguido nas fronteiras onde os segredos ganham forma. Os Entrudos aguardam por todas as Páscoas, para lembrá-la que os moribundos descem das encostas, quando Dezembro é em todos os Natais, a força que nasce em cada dia. Enquanto isso, em cada rosto nasce o dia certo, para ser mais um corpo na montanha.

Aguarda-se por um novo mundo que renove todos os olhares. Espera-se pelo resgate da humanidade, enquanto força una num único Universo, onde os duendes ainda têm olhos e as forças contidas num rosto cativo, ainda trazem lembranças de quando se faz tarde num rosto inocente.
(Que caminho longo é a noite no silêncio dos seus passos.)

Quão breve o cruzamento de luzes e cores em todas as lembranças de outras noites, como quando as luzes dos candeeiros se apagavam sempre à mesma hora. Os geométricos gestos, sempre em ordem inversa à geometria de um olhar, àquele olhar cabisbaixo dirigido para a terra, à espera da única semente mais transcendente. Enquanto isso os mimetismos acontecem nas luras onde os corpos se submetem a rituais descontinuados, aos movimentos ilusórios circunscritos no centro da terra. Por lá já crescem as sementes e se desenvolvem as raízes para uma nova frontalidade que fará crescer novas vontades do povo por quanto se submeter ao alto e não se curvar nos baixios onde todos os aflitos se afogam num silêncio morredoiro.

Ali se despem de um corpo que lhe é o inverso. Têm nos olhos a doce figura de uma lembrança de outros tempos, mas não podem ficar indiferentes à transfiguração humana, desde que a vida se transforma a cada passo, na calçada que lhe descobre os novos passos.

Eu Sou Dolores Marques, Coração da Terra

Publicado no Noticias de Castro Daire

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