terça-feira, 28 de março de 2017

Tempo dos aromas silvestres

Estes dias por aqui são quase uma passagem breve pelo tempo das amoras. Aqui nem sempre me é concedido esse toque agridoce na pele, e na boca. Por estas bandas,  os silvados são feitos de ervas secas, que resistem à força do cimento. Mas um elemento novo, a dar-lhes vida, num balançar leve na suavidade das papoilas. Costumo entrar pelas hortas, numa procura rasurada do tempo da loucura a correr por cima dos muros xistosos e a embrenhar-me no novo colorido das silvas. Aqui nem as águas têm a liberdade, que qualquer elemento assume, na sua forma original - ser água que corre por qualquer terra lavrada.

Salto as couves, e os feijões, e as batatas. Tenho não incomodar com as minhas pegadas, o seu crescimento, mas de que adianta sonhar alto, com terras firmes nos meus pés, se por aqui, se enterram numa mistura lustrosa de um piso arenoso e barrento. A verdade é somente este misto na labuta, ainda a crescer nas gentes, que operam milagres nas terras áridas, num agridoce barrento, mas ao mesmo tempo, suculento no seu saber cantar sobre a terra as melodias da serra.
  
Decido então caminhar pelos charcos da chuva que chega abafando este ruído intenso nas ruas da cidade. Percebo, porém, que nem ela tem a capacidade de me encharcar toda, como gosto.

Costumo pensar nos regos cheios de água, a atravessar as pedras das calçadas, e dos cheiros vários dos fenos e dos fetos verdes nos pinhais. Eu tinha a percepção da sua passagem através dos odores fortes a encher caminhos. 

Penso sempre naqueles caminhos como os meus caminhos, quando na verdade, eles existiam para a passagem das águas.
Lembro quando me debruçava, para nela me mirar toda até aos cabelos.  A minha intenção não era saber sobre o meu reflexo ali espelhado naquelas águas, porém, admirava as formas do seu dançar por entre os pequenos xistos. Depois também eu, distorcida na pequena corrente brincava com aquele vulto, largado por ali em leves oscilações.

Lembro-me também, das minhas mãos coladas uma na outra, quando tentavam conhecer a textura das resinas, a escorrer por cima das carumas. 
Quando os cucos cantavam lá no cimo dos pinheiros, os seus ecos saltitavam por cima das folhas secas, e tudo se presumia uma grande aventura no tumulto dos ventos ali plantados.

Aqui, pela cidade, os ventos também não são soltos como eu gosto. Despenteiam-me de forma atabalhoada. Fico sem graça, porque um vento quando é vento a sério, canta aos meus ouvidos. Um vento quando sabe que é mesmo vento levanta um remoinho, tal, no meu corpo, que até parece que levanto voo. E este, não canta. Este vento chora baixinho debaixo dos meus cabelos. Este género de vento não dança, rasteja por entre os muros erguidos em todas as direcções.

Estes tempos por aqui, sabes, são quase uma breve passagem pelo tempo de todos os aromas silvestres, com amoras na minha boca

ONIX/DM

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